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A informação vai matar o capitalismo?


São Paulo – “Uma economia baseada em informação, com sua tendência a produtos de custo zero e direitos fracos de propriedade, não pode ser uma economia capitalista”.

Esta é a tese do livro “Pós-Capitalismo: Um Guia Para Nosso Futuro”, do britânico Paul Mason, ex-Newsnight da BBC e atual editor de Economia do Channel 4.

Ele está falando do surgimento, pela primeira vez na história, de uma economia baseada na abundância e não mais na escassez.

Pense assim: a única coisa que separa você de todo o repertório da música gravada na história da humanidade é uma regra de direito autoral. E mais: seu acesso a este benefício não muda em nada o acesso de todas as outras pessoas do planeta.

Decorre que a única forma de defender a posse é excluindo o acesso. O monopólio passa a ser a única forma com que uma indústria se sustenta e o principal mecanismo de defesa do capitalismo.

Mason brinca que a declaração de missão da Apple deveria ser: “nós existimos para prevenir a abundância da música”. A disputa do Google com os órgãos de regulação na Europa é só a ponta desse iceberg.

A questão principal é que isso começa a corroer alguns princípios básicos da economia clássica: de que a competição e informação são perfeitas e que monopólios e patentes são sempre temporários. Oferta e demanda perdem o sentido, pois pressupõe a escassez.

Ideias parecidas aparecem no recente “Sociedade com Custo Zero”, de Jeremy Rifkin. Estes autores estão indo além do famoso slogan hacker “A informação quer ser livre”. A ideia é que ela deve ser livre porque gera mais valor para todo mundo quando, efetivamente, é.

Trabalho

Além do mais, o conteúdo intangível dos produtos (a informação utilizada na sua criação) está ficando mais central do que os fatores de produção clássicos (insumos, trabalho e capital) – e nem as empresas nem o PIB sabem como medir isso.

E esta não é a única quebra com o passado: “com a informação, parte do produto permanece com o trabalhador de uma forma que não acontecia na era industrial”.

O debate econômico atual pergunta se a automatização mata mais empregos do que cria – e há quem diga que sim e que não.

Para Mason, a necessidade de menos trabalhadores será uma das características centrais do novo sistema, assim como a quebra do vínculo entre emprego e salário e da fronteira entre trabalho e lazer.

Choques

Mason não fala apenas de informação. Ele é um crítico do “neoliberalismo” e vê 4 elementos que permitiram seu florescimento, mas acabariam por destruí-lo: dinheiro sem lastro, financialização e desequilíbrios globais entre países “mercantilistas” e países com déficits.

Com base na teoria de Kondratiev, Mason vê o ciclo do pós-guerra alongado artificialmente pela quebra do poder de barganha da classe trabalhadora – que ao longo da história, forçou o capitalismo a encontrar alternativas tecnológicas que criassem novos valores e novos mercados.

“O boom de produtividade de globalizar a força de trabalho mundial acabou, e a desaceleração do crescimento nos mercados emergentes – da China ao Brasil – está prestes a se tornar um problema estratégico”, escreve.

Mas ele vê o capitalismo corroendo não só de dentro, mas também diante de choques externos. Um deles vem das mudanças climáticas: o sistema atual precifica que as reservas de carbono debaixo da terra serão eventualmente queimadas, mas isso significaria um aumento de temperatura intolerável para nossa sobrevivência.

O envelhecimento rápido da população é outra bomba relógio: as aposentadorias (e a sustentabilidade da dívida) de países inteiros estão assentadas na suposição de que o sistema financeiro continuará dando retornos espetaculares.

Seu pessimismo neste campo não é disparatado: a tese da “estagnação secular” é defendida por pesos-pesados e a OCDE também prevê para 2060 um mundo de crescimento medíocre, explosão da desigualdade e grandes desafios fiscais.

Crítica

Concordando ou não com suas teses, o fato é que Mason acaba cedendo frequentemente para a paixão ativista em detrimento do cuidado analítico. Em uma passagem, culpa elites locais e países imperiais pela “armadilha da classe média” – algo bem mais complexo, para dizer o mínimo.

E como todos as obras que aspiram a uma leitura macro, o “Pós-Capitalismo” força a barra nos paralelos, colocando no mesmo barco a resistência em Gaza, a campanha pela independência na Escócia e os protestos de 2013 no Brasil – fenômenos pautados por particularidades políticas e culturais tão (ou mais) centrais do que questões econômicas do século XXI.

Além de tudo, Mason pesa a mão na utopia. Seu principal exemplo de dinâmica pós-capitalista é a Wikipedia – um projeto louvável, mas que dificilmente abala qualquer coisa só por “privar a publicidade de US$ 3 bilhões anuais em receita publicitária”.

Mas o livro tem insights valiosos e o mérito de apontar fissuras e caminhos que não passam pelo planejamento de cima para baixo ou por supressões forçadas. Seu instinto correto é que um novo sistema seria ainda mais complexo, mais autônomo e mais instável.

Ele dá poucos detalhes concretos deste futuro: as recomendações mais fortes são também as mais genéricas (“socializar o sistema financeiro”). É sintomático que ele termine um livro sobre futuro falando de renda mínima, ideia antiga com defensores na esquerda e na direita e que foi (e continua) sendo experimentada em pequena escala.

O que fica é a ideia de que o capitalismo será superado organicamente, com experimentos que possam ganhar escala, construindo o novo dentro de velho. E a sensação palpável de que o fim da história nunca esteve tão distante.

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