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CNI prevê regressão da manufatura brasileira ao final dos anos 1940


A manufatura brasileira deve regredir ao final dos anos 1940, em termos de participação no Produto Interno Bruto (PIB), quando se fecharem os dados deste ano sobre as contas nacionais. Isso significa que a indústria de transformação estará abaixo de 10% do PIB, como resultado de um declínio gradual, que tem raízes na baixa competitividade e no aumento constante de custos de produção. É com essa perspectiva que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) busca soluções para revigorar o setor industrial brasileiro.

O que chama atenção do gerente-executivo de Política Econômica da entidade, Flávio Castelo Branco, é a velocidade com que esse processo ocorreu no Brasil. Muito antes de se tornar uma economia madura, o país já apresenta uma distribuição de setores econômicos mais próxima da realidade dos países desenvolvidos. Mesmo nestes, como é o caso dos Estados Unidos, a indústria de transformação ainda representa uma participação de 12% a 13% do PIB, superior ao nível projetado para este ano na economia brasileira.

O segmento da manufatura, ou indústria de transformação, é um dos componentes do setor industrial, ao lado da construção civil, da indústria extrativa e dos serviços de utilidade pública. Em outras palavras, é a fábrica, o coração do processo industrial. Os dados mais recentes divulgados pelo IBGE mostram que a manufatura caiu 8,3% no segundo trimestre deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado. Foi o pior desempenho entre os segmentos destacados pelo IBGE, superando até a construção civil, que levou um tombo de 8,2% na comparação dos mesmos períodos.

O Brasil já chegou a ostentar uma participação de 25% da indústria de transformação no PIB, entre os anos 1970 a 1980. De lá para cá, enquanto outros países emergentes avançaram, especialmente os asiáticos, esse segmento foi minguando na economia brasileira. A China tornou-se a fábrica do mundo e o Brasil tem sido caracterizado como a fazenda, pela forte posição consolidada no agronegócio.

Os vastos recursos naturais do país fizeram a diferença na agricultura e na pecuária, mas não resultaram em avanço industrial compatível com a dimensão do seu território. Sem uma base industrial forte, como o país poderá gerar emprego para a mão de obra concentrada nos grandes centros urbanos? – pergunta o economista. Afinal, o agronegócio está mais fortemente enraizado nas regiões do Centro-Oeste e no interior paulista. “Só com o agronegócio é impossível, o Brasil precisa da indústria”, argumenta.

Agenda acumulada
Para evoluir no terreno industrial, no entanto, as saídas ainda precisam ser construídas. Castelo Branco lembra os problemas de custos que se acumulam, sem solução, na agenda brasileira e que afetam a competitividade do que é produzido aqui. São os custos elevados dos encargos salariais, da logística deficiente, da área financeira, o que inclui a disponibilidade de capital. E mais a burocracia, que custa muito dinheiro aos empresários, às voltas com alvarás de funcionamento, autorizações e carimbos sem fim. “A nossa burocracia é pesada”, resume o economista.

O mais dramático para o país é que o período de “boom” das commodities agrícolas e minerais, mais acentuado nos anos de 2003 a 2011, não resultou em avanços estruturais que dessem sustentação ao crescimento econômico. É verdade que a melhoria dos termos de troca impulsionou o aumento da renda real e viabilizou os mecanismos de estímulo ao consumo. Mas faltou cuidar dos fatores que permitiriam o aumento da produtividade, como a educação, a inovação tecnológica e o aprimoramento da infraestrutura.

Agora que se exauriram os recursos do superciclo das commodities e a própria estratégia de crescimento pelo estímulo à demanda, materializaram-se os problemas acumulados de longa data:

– A economia brasileira tem uma deficiência grande de investimentos, quando nos comparamos a outros países emergentes, não só da Ásia como também da América Latina. Isso significa que estamos incorporando menos tecnologia, o que se reflete no menor crescimento da produtividade – afirma Castelo Branco.

Uma das saídas vislumbradas é pela via do setor externo. A forte desvalorização do real favoreceu não apenas o crescimento das exportações neste ano como também o início do processo de substituição de produtos importados. É previsível que o Natal deste ano não tenha a abundância de produtos estrangeiros que foi vista em anos anteriores. Do ponto de vista das empresas, o impacto do câmbio ainda levará mais tempo para ser digerido, já que os contratos de importação são de longo prazo e a troca de fornecedores não é feita num passe de mágica.

Crise política
Quando se adiciona a crise política às dificuldades econômicas, o resultado é a estimativa de que a recuperação somente ocorra a médio prazo. Até o final deste ano, a CNI trabalha com uma perspectiva de queda forte do PIB, superior à estimativa inicial de retração de 1,6%. Suas projeções econômicas estão sendo revistas, diante do cenário de agravamento da questão fiscal e difusão do processo recessivo por toda a economia. Até mesmo o setor de serviços, que costuma ter ciclos mais estáveis do que a área industrial, foi atingido.

No início deste ano, a entidade trabalhava com um cenário que previa um rápido equacionamento do ajuste fiscal, num horizonte de três meses. A partir daí, seria possível tratar da agenda de competitividade, tão necessária ao país. Mas o reequilíbrio das contas públicas revelou-se mais complexo e ainda não foi concluído, concentrando energia e atenção. A crise política que se instalou depois das eleições presidenciais, no final do ano passado, é o pano de fundo desse processo arrastado de ajustamento.

Castelo Branco ensaia uma visão otimista para 2016, especialmente a partir da segunda metade do ano, desde que seja possível equacionar os problemas pendentes. De qualquer maneira, a inflação dará sinais de trégua no próximo ano, o que já é um alento. No caso da desejada redução dos juros, ele considera necessário um prazo mais longo, por demandar uma contrapartida fiscal ainda não assegurada pelo governo. Em resumo, é preciso mais estabilidade e previsibilidade até que os empresários e consumidores sintam-se confiantes para retomar o investimento e o consumo.

Beth Cataldo do G1

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