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Como empreender bem na crise, segundo Romero Rodrigues


São Paulo – O empreendedor Romero Rodrigues é mais conhecido por ser o fundador do Buscapé, o site de comparação de preços que foi vendido em 2009 ao grupo sul-africano Naspers por 342 milhões de dólares. Nesta semana, ele anunciou que será também o mais novo sócio do brasileiro Redpoint eventures, fundo de investimento com raízes no Vale do Silício.

Em entrevista a EXAME.com, ele contou sobre o porquê de ter entrado para um fundo agora, após dez anos atuando como investidor-anjo, e respondeu se a crise ajuda ou atrapalha na hora de startups conseguirem investimento. “Para as startups muito boas, com bons empreendedores, a crise nem ajuda nem atrapalha. Para os empreendedores não tão bons, a crise sem dúvida nenhuma atrapalha, porque diminui um pouco a liquidez do mercado”, conta.

O fundador do Buscapé também falou sobre o que uma empresa precisa fazer para crescer nos próximos anos e quais setores ele julga promissores. Veja as respostas para essas questões e mais trechos da entrevista:

EXAME.com — Por que você decidiu entrar para um fundo de investimentos após anos como investidor-anjo?

Romero Rodrigues — O principal motivo de eu ter entrado em um fundo de Venture Capital é que isso era uma evolução natural do meu trabalho como investidor-anjo. Já tenho 25 investimentos feitos como investidor-anjo. Chega um ponto em que você não consegue mais gerenciar e ter agilidade no dia a dia com esses empreendedores: você precisa montar uma equipe.

Ao mesmo tempo, estou só colocando capital próprio e usando geralmente tempo livre para esses investimentos. Vários amigos ou conhecidos queriam coinvestir comigo. Então, fazia todo sentido poder trabalhar não só com capital próprio, mas com o de terceiros.

Por último, eu tenho um network bom no Brasil e fora também, mas queria expandí-lo, principalmente nos Estados Unidos e no Vale do Silício. Isso me fez buscar uma estrutura mais profissional de investimento, onde eu pudesse agregar mais valor às empresas e também ficar com uma participação maior ao investir. Como investidor-anjo, você normalmente fica com um percentual pequeno.

EXAME.com — A crise econômica pela qual o Brasil passa ajuda ou atrapalha uma startup a conseguir investimentos?

Romero Rodrigues — Para startups muito boas e com bons empreendedores, a crise nem ajuda nem atrapalha. Para empreendedores não tão bons, a crise sem dúvida atrapalha. Ela diminui a liquidez do mercado.

Este é o melhor momento para investir em startups digitais no Brasil. Por causa da crise, as empresas param de investir em médio e longo prazo – elas cortam o que não dará resultados para salvar o trimestre ou o ano. Elas cortam projetos de inovação, marketing… Isso faz com que profissionais talentosos fiquem disponíveis no mercado.

É um dos raros momentos que startups conseguem competir por talentos com grandes corporações. Qualquer projeto que uma empresa de médio e grande porte tenha para se proteger de novos serviços é colocado em segundo plano. Isso é uma vantagem para as startups.

O consumidor também muda – quando hábitos antigos morrem, morrem na crise. Quando ele muda de hábito, procura um produto ou serviço que custe menos. Ele diz: “bom, vou enxugar meu orçamento. Tenho de achar uma solução para minha TV à cabo, que custa 150 reais”. Nesse momento, ele vai para o Netflix, que custa 15 reais.

Isso vai acontecer com reserva de restaurante, como é o caso do Grubster, em que sou investidor e que está crescendo na crise. No Buscapé a receita não está crescendo, mas a audiência está. Todo mundo está procurando comparar preço, até quem não comparava. Isso não acontece quando o momento econômico é bom.

As empresas também gastam melhor. Se a receita está crescendo, ela não precisa economizar para aumentar o lucro – o próprio aumento da receita proporciona isso. Já em uma crise, o que a empresa faz? Procurar eficiência. Isso ajuda startups, que podem vender para essas companhias.

Eu acredito que a próxima geração de empresas de internet no Brasil vai ser a melhor de todas. Por causa da crise e porque nunca se usou tanto celular como vai se usar nos próximos cinco anos. Hoje, 35% da população usa smartphones, e vai subir para 60% nos próximos cinco anos. Isso só acontece uma vez na vida.

EXAME.com — Que áreas você julga serem promissoras para novas startups nesse momento?

Romero Rodrigues — Há setores que estão muito interessantes. Eles são: saúde, fintech [startups que tragam soluções na área financeira], educação, varejo – não falo em vender produtos, mas em ajudar as pessoas, como faz o Buscapé – e serviços para pequenas e médias empresas, que começarão a buscar eficiência.

Os negócios têm que ter duas características para crescer nos próximos três anos. A primeira é ser mobile – todo mundo que tiver um serviço que faz muito sentido para um celular vai se beneficiar desse crescimento de penetração nos próximos três ou quatro anos.

A segunda é ter características que vão contra o ciclo. É o exemplo do Buscapé: os consumidores estão procurando mais, não estão indo no shopping comprar sem antes pesquisar. Quando a crise acaba, a receita do Buscapé tem altíssimo crescimento porque todas as pessoas que aprenderam a usar passam a utilizá-lo porque criaram um hábito.

Eu dei também o exemplo do Grubster: as pessoas jantam fora menos no meio da crise, mas, se vão jantar, que seja pagando 70% da conta e não 100%. Toda startup que tiver um comportamento contra o ciclo vai se beneficiar.

EXAME.com — Que conselhos você daria para uma empresa que quer atrair grandes fundos de investimento?

Romero Rodrigues — A receita de bolo diz que é preciso resolver um problema importante em um mercado potencial – ou seja, grande – e ter um bom time. Eu diria que a última parte é a mais importante. No final do dia, apesar de vermos todos os setores, investimos em pessoas, em grandes empreendedores que acreditamos que podem mudar o mundo. Às vezes, pode ser de um setor que alguém ache que está saturado, mas ele pode ter uma visão muito boa do que quer fazer.

Meu trabalho como investidor é perceber o quão resiliente e sagaz esse empreendedor é. Ele pode não ter a melhor ideia, mas pode se adaptar à situação de forma vencedora. Então, entre a ideia, o mercado e as pessoas, olhamos efetivamente as pessoas. Minha dica é trazer um time complementar, forte e que esteja alinhado, que seja sócio do sonho do empreendedor. Ele não pode economizar nos talentos que vai trazer para formar o time.

EXAME.com — Como você avalia a posição do Brasil em startups em relação ao cenário global?

Romero Rodrigues — Eu comecei a fazer investimento-anjo por volta de 2005. O Buscapé começou em 1998, mas nos primeiros anos eu não tinha capital nem para trocar o carro velho (risos), muito menos para fazer investimento-anjo.

Eu vejo uma evolução rápida do empreendedor brasileiro e das startups. Por diferentes motivos: tivemos entre 2010 e 2011, pouco depois da venda do Buscapé, muitos estrangeiros vindo ao Brasil, o que trouxe uma diversidade de opiniões e visões.

Tivemos também muitos empreendedores brasileiros indo para o Vale do Silício, fazendo quase um summer camp [acampamento de verão], com estágios em aceleradoras. Isso enriqueceu muito os empreendedores brasileiros. Eu diria que os melhores empreendedores brasileiros não deixam nada a desejar aos melhores empreendedores americanos. Fato. Não tem o que discutir.

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