Em 2016, São Paulo será – ao lado de Madri, na Espanha, e Tel Aviv, em Israel – uma das sedes do Fintech Venture Days, concurso internacional que premiará as melhores startups tecnológicas do setor financeiro (também chamadas de fintechs). O evento é uma referência desse segmento no mundo – e a escolha de São Paulo para ser uma de suas sedes no ano que vem mostra, na prática, o que os especialistas já têm dito há algum tempo: Assim como ocorreu no exterior, a indústria financeira tem se tornado uma das mais importantes para as startups tecnológicas também no Brasil.
De plataformas de crédito que dispensam bancos físicos a aplicativos que montam um plano de investimento de acordo com o perfil do usuário, as fintechs vêm ditando mudanças na forma com que os brasileiros se relacionam com o dinheiro. Em novembro, havia 48 startups tecnológicas do setor financeiro cadastradas na Associação Brasileira de Startups (ABStartup). Seis meses antes, o número era metade disso.
Ainda é um volume pequeno se comparado às mais de 4.000 startups listadas pela associação, mas o crescimento é firme – e a demanda por esse tipo de serviço só cresce. “Em até dez anos, as pessoas vão parar de usar dinheiro de papel e recorrerão cada vez mais ao meio digital para realizar suas transações financeiras”, diz Marcelo Nakagawa, professor de Empreendedorismo e Inovação do Insper. “Não se pode frear a inovação, sobretudo no setor financeiro.”
A Nubank é citada como uma das referências desse novo momento para as fintechs. A empresa é uma emissora de cartões de crédito com um modelo de negócios 100% digital, gerenciado por um aplicativo de celular. Entre outras vantagens, a ferramenta dispensa agências físicas, não tem taxa de anuidade ou tarifas e cobra juros rotativos abaixo da média do mercado.
Em um ano de existência, o serviço tem 300.000 clientes na fila de espera por uma avaliação de crédito para obter o cartão – o número de pedidos chega a 1 milhão. O público-alvo são jovens com idades entre 18 e 24 anos. “Acreditamos que esse público jovem hoje pede uma alternativa mais digital e simples para se relacionar com o dinheiro”, afirmou, por e-mail, o colombiano David Vélez, um dos fundadores da Nubank. “A demanda pelo cartão tem sido bem maior do que esperávamos.”
Amure Pinho, presidente da ABStartup, diz que o avanço no setor no Brasil é beneficiado pelo aumento de investimentos em projetos nos Estados Unidos, celeiro mundial da inovação. “Depois que o mercado investe e tem exemplos de projetos bem-sucedidos, os fundos (de investimento especializados em financiar empresas em início de vida) ficam mais propensos a fazer novos aportes, inclusive em outros países”, afirma.
Os investimentos em startups brasileiras somam cerca de 2 bilhões de reais por ano. Os dados da ABStartup não especificam quanto disso é voltado às fintechs, mas a escolha de São Paulo para ser uma das sedes da Fintech Venture Days atesta o crescimento desse nicho. O evento, que acontecerá entre fevereiro e abril de 2016, tem o apoio da IE Business School, uma das maiores escolas de negócios do mundo, e do Santander InnoVentures, fundo do banco espanhol voltado a tecnologia financeira.
O aplicativo Guia Bolso é outro dos exemplos de avanço das fintechs no Brasil. Lançado em abril do ano passado, seu sistema permite a sincronização com contas de banco – inclusive do Nubank – atualizando informações de gastos e renda. O aplicativo tem hoje 1,7 milhão de usuários. A meta de seus criadores para 2016 é chegar a 5 milhões. “Há uma assimetria muito grande entre o tamanho da indústria financeira e o conhecimento que as pessoas têm de suas próprias finanças. O aplicativo pretende diminuir essa disparidade”, afirma Thiago Alvarez, sócio-fundador.
Após baixar o aplicativo, o supervisor de telemarketing Leonardo Pereira diz administrar melhor suas finanças, principalmente depois de ter comprado um Palio 2012, avaliado em 22.000 reais, que acabou sendo furtado. “Não tinha seguro e tive que arcar com o prejuízo. O Guia Bolso acabou me ajudando a organizar as contas do dia a dia depois desse episódio.”
Hoje, 76 milhões de pessoas têm smartphones no Brasil, segundo pesquisa da Nielsen Ibope divulgada em novembro. O ritmo de crescimento do total de usuários de smartphones no período de janeiro a setembro foi de mais de 1 milhão de pessoas por mês. Até 2019, esse número deve alcançar 98 milhões de aparelhos. O número de transações bancárias feitas por celulares também vem crescendo com vigor: Elas passaram de 6% em 2013 para 12% no ano seguinte, segundo dados da Federaqção Brasileira de Bancos (Febraban). É esse cenário que alimenta o crescimento das fintechs.
No ramo de investimento, por exemplo, a Magnetis, lançada em julho deste ano, monta planos de investimento personalizados, de acordo com os objetivos e apetite por risco do usuário. Por meio de algoritmos, o serviço mapeia uma lista de cerca de 15.000 ativos disponíveis no mercado. Após a aplicação de um questionário, recomenda de três a quatro ao usuário. O valor mínimo a ser investido é 25.000 reais e a taxa de uso é de até 0,4% do investimento ao ano, o que equivale a 8 reais por mês. “O aplicativo monitora as mudanças do mercado e sugere mudanças para o cliente quando elas são necessárias”, explica Luciano Tavares, sócio-fundador.
Consumidores habituados ao comércio virtual também se beneficiam do avanço das fintechs. A plataforma Mélliuz, por exemplo, que faz pesquisas de preços on-line, recompensa com dinheiro quem utiliza o serviço. A economia é, em média de 5%, segundo Israel Salmen, sócio-fundador. O engenheiro químico João Riveira, usuário do Mélliuz, acredita já ter economizado 1.300 mil reais em compras com o aplicativo. “Compro desde produto para cachorro até eletrodomésticos”, diz. Com as recompensas que acumulou, ele banca despesas diárias, como contas de telefone e restaurantes.
Inspiração para os bancos – As startups tecnológicas que criam produtos e serviços para a indústria financeira também têm servido como inspiração para o setor financeiro tradicional. No Brasil, Itaú e Bradesco já têm iniciativas para discutir ou replicar modelos idealizados por startups.
O Itaú, maior banco privado do país, lançou em setembro do ano passado o Cubo, um escritório compartilhado no qual trabalham empreendedores, pesquisadores, investidores e representantes de grandes empresas e no qual estão 42 startups residentes. “Além de ser uma iniciativa que reforça nossos esforços de evoluir como banco digital, ele nos conecta com um ecossistema que evolui e provoca mudanças de forma rápida”, diz a apresentação do projeto. Atualmente, 6,4 milhões de clientes do Itaú utilizam aplicativos para fazer transações, número 40% maior do que o do ano passado.
No Bradesco, a iniciativa batizada de InovaBRA tenta descobrir projetos de startups que tenham soluções aplicáveis no setor de produtos e serviços financeiros. O programa tem duração de doze meses, sendo quatro destinados ao processo seletivo e oito para a interação com o banco. Em sua primeira edição, no ano passado, 553 startups se inscreveram e oito chegaram à final. Em novembro, o banco lançou a segunda edição do programa.
Fonte: Revista Veja