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GSK vai parar de cobrar por direitos de medicamentos

Em medida surpreendente e inesperada, a gigante farmacêutica britânica GSK (GlaxoSmithKline) decidiu não entrar mais com pedido de patente de alguns de seus medicamentos em países muito pobres e de baixa renda (que, segundo a ONU, somam 48). Para países com renda média –como o Brasil, Índia e Tailândia-, a cobrança por direitos será mais flexível. As medidas, segundo a empresa, tentam se adaptar à “realidade econômica de cada região.”

A iniciativa abre caminho para que empresas de medicamentos genéricos e similares de regiões menos favorecidas comecem a produzir drogas imediatamente ou sem ter que esperar pelo tempo completo do vencimento dos direitos de propriedade intelectual –o que, espera-se, tenha algum impacto nos preços e no acesso.

A GSK também sinalizou que cederá licenças de medicamentos oncológicos para a Medicines Patent Pool (MPP), uma iniciativa da Organização das Nações Unidas que realiza negociações com empresas para melhorar o acesso a medicamentos para doenças crônicas como a Aids, a hepatite e a tuberculose. A GSK já colaborou com a iniciativa e cedeu, por exemplo, a licença do Tivicay, medicamento de combate à multiplicação do HIV.

Agora, com a cessão de patentes de drogas de combate ao câncer (que o laboratório não especificou quais), a GSK inaugurará rodadas de negociação com medicamentos oncológicos dentro da MPP.

A KEI (Knowledge Ecology International), importante ONG nos debates de mecanismos alternativos para o acesso e distribuição de medicamentos, viu como positiva a iniciativa da GSK. Em nota, a instituição classificou a medida como “impressionante”. A KEI, entretanto, demonstrou preocupação de que todos os processos sejam transparentes e que, em alguns casos, a supressão de restrições vá além dos países pobres e possa cobrir outras circunstâncias (como para pesquisas e exportação).

“Agora, há muitas disparidades no acesso a drogas de combate ao câncer e elas são mais desiguais que o acesso a tratamentos antirretrovirais e de combate à hepatite”, diz a nota da KEI. “A iniciativa da GSK é uma notícia impressionante, mas os detalhes são muito importantes.”

Uma das preocupações da organização versa sobre se alguns países com direito a usar as patentes sem custos vão poder exportar medicamentos. Primeiro, vale lembrar que a GSK toma essa decisão em um momento histórico em que o licenciamento compulsório (situação em que a empresa se vê obrigada a abrir mão de receber direitos de propriedade intelectual em situação de calamidade e epidemias) já foi uma conquista de países pobres –como foi o caso da produção de medicamentos para a Aids no Brasil.

Só que outra conquista nem sempre lembrada dessas regiões foi a possibilidade de exportar esses medicamentos para outras países em necessidade. O Brasil, por exemplo, exportou antirretrovirais genéricos para regiões pobres a preços menores aos praticados pela indústria.

“Sem o direito a importar os medicamentos licenciados, um país sem indústria farmacêutica local não conseguiria fazer uso, na prática, de mecanismos como o licenciamento compulsório e o MPP. Ele precisa comprar essas drogas de países que são capazes de produzi-las, como Brasil e Índia”, diz Miguel Said Vieira, especialista em propriedade intelectual e pesquisador de bens comuns à Saúde!Brasileiros.

“O direito a fazer isso é uma conquista que só foi obtida após muita luta dos países pobres na Organização Mundial de Comércio. É por isso que a menção ao direito à importação na nota da KEI é muito importante”, diz Vieira.

Por que a GSK toma essa decisão?

Em 2015, a GSK alcançou a marca de sexta maior empresa farmacêutica do mundo em medicamentos vendidos. Vale atualmente US$ 90 bilhões. Entre o seu portfólio encontram-se produtos populares como Sensodyne, Eno, Nicorette. A GSK produziu, por exemplo, a amoxilina (antibiótico cuja patente já caiu) e a paraxotina (antidepressivo) -sobre esse último, o laboratório já protagonizou um do maiores escândalos da história.

Além disso, a GSK já escondeu dados de segurança de algumas de suas drogas do FDA (órgão que regula medicamentos nos Estados Unidos). A empresa também pagou uma multa de 3 bilhões de libras por ter comprovadamente subornado médicos a prescreverem seus medicamentos (com viagens, e até ingressos para shows da Madona, segundo a BBC).

Desde então, a empresa deixou de pagar médicos para que falassem bem de seus produtos (uma prática adotada por muitas indústrias), segundo entrevista concedida por Andrew Witty, CEO da empresa à Science (ele não relacionou a iniciativa ao escândalo, entretanto). A GSK também deixou de pagar comissões a seus vendedores para que parassem de superestimar o valor de seus medicamentos.

Embora a flexibilização na cobrança por direitos venha na esteira de uma série de mudanças adotadas desde os escândalos, não está exatamente claro o que a empresa espera dessa iniciativa. Segundo o CEO da GSK, também à Science, o processo faz parte de uma adaptação a realidades regionais e está dentro de uma tentativa de “mudar a forma como o mercado opera.”

“Não faz sentido manter um modelo de negócio baseado no mindset dos anos 1980. Você precisa ter uma posição que se encaixa nos anos 2020, 2030, e 2040. Não há valor na inovação que não alcança as pessoas que precisam”, disse Witty.

Integrados a esse mindset, contudo, estão outros dois possíveis cenários que ajudam a contextualizar a decisão da GSK. Um deles é antecipar uma pressão por redução de preço por meio do licenciamento compulsório que pode chegar aos medicamentos contra o câncer, explica Said Vieira.

“No pior dos casos, é possível que a medida esteja mais para um corte de gastos (uma vez que depositar patentes nesses países também tem custos) com uma camada de verniz filantrópico. No melhor dos casos, é sinal de que o setor pode estar sentindo as pressões internacionais pela redução dos preços de medicamentos, que foram vitoriosas no caso da Aids e agora voltam-se a outras doenças, como o câncer.”

Fonte: Portal Brasileiros 

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