A Petrobras desagradou o mercado financeiro, ontem, ao divulgar uma revisão incompleta do seu plano de negócios. Analistas consideraram pouco críveis os ajustes anunciados pela companhia e estranharam a relação entre o corte dos investimentos e as projeções de produção. Além disso, a manutenção da meta de venda de ativos em US$ 14,4 bilhões para 2016, também foi questionada. A avaliação do mercado é de que o esforço de venda de ativos da petroleira deveria ser maior, dada a piora do cenário, só para citar alguns dos itens contestados. As ações da Petrobras voltaram ontem aos níveis de 2003. As ON fecharam cotadas a em R$ 6,97 (queda de 8,04%), e as PN caíram 8,21%, valendo R$ 5,59.
A estatal anunciou corte de US$ 32 bilhões nos investimentos previstos até 2019, de US$ 130,3 bilhões para US$ 98,4 bilhões, sem fornecer maiores detalhes sobre projetos mantidos ou postergados. Não houve novidade no número do investimento em 2015, de US$ 23 bilhões. Já para 2016, há aumento de US$ 1 bilhão, significando que os maiores cortes virão dos investimentos desembolsados em três anos a partir de 2017.
Marcos Severine, do J.P.Morgan, afirma que o maior gasto em 2016 reforça as preocupações com o caixa da petroleira no curto prazo, ao aumentar em US$ 2 bilhões a necessidade de capital para este ano.
Um gestor, que pediu para ter seu nome mantido no anonimato, observou que a estatal aumentou a projeção do capital investido para este ano, enquanto todos os indicadores, assim como os cenários para a empresa, estão ruins. “Tinha de reduzir o investimento hoje, não lá na frente. Não faz sentido. A empresa precisa passar por um enxugamento, com demissão de pessoal, corte de custos e redução de investimentos, para atravessar o cenário atual. Mas parece que a atual gestão não tem suporte para fazer isso. Tem o que fazer, mas parece que não há vontade”, disse o gestor.
O Credit Suisse projeta preço-alvo de US$ 2,00 para os recibos de ações (ADR, na sigla em inglês) da Petrobras, com recomendação de venda dos papéis. Ontem a ADR fechou a US$ 3,49. Para banco, o preço atual das ações sinaliza que seria necessária uma combinação “improvável” de eventos futuros, incluindo a recuperação dos preços do petróleo, para que a companhia alcance o preço justo para os papéis. No amplo relatório, intitulado de “Você pode ajudar, sr. Brent?”, Andre Natal, especialista de petróleo e gás natural do Credit Suisse, elenca um conjunto de eventos pouco prováveis que precisam ocorrer, quase que simultaneamente, para que as ações da petroleira se recuperem.
O documento foi distribuído a clientes antes da divulgação da revisão do plano. Os cinco primeiros eventos mencionados por Natal incluem a execução da venda de ativos em US$ 43 bilhões e a redução de custos operacionais de US$ 12 bilhões. Além disso, os preços do Brent teriam que mais que dobrar e alcançarem US$ 80 o barril em 2020; e os preços dos combustíveis ficarem 10% acima do valor internacional, mesmo com a perda de mercado doméstico pela Petrobras. Ele adiciona, ainda, a necessidade de o real não se desvalorizar em relação ao dólar, além do câmbio de R$ 4.
Entre outros pontos relevantes, o Credit Suisse lista como pré-requisito a não-realização de nenhum novo projeto e nenhum novo dreno de caixa decorrente da “Lava-Jato” ou de disputas fiscais, por exemplo. Além disso, que a empresa atenda as necessidades de financiamento de US$ 91 bilhões. Por último, e não menos importante, o banco suíço afirma que é necessário que todos os fatores anteriores ocorram ao mesmo tempo.
“A gestão atual [da Petrobras] parece fortemente empenhada em desalavancar a empresa, mas achamos que não será fácil, nas condições atuais do mercado”, afirmam Andre Natal e Regis Cardoso.
Entre os poucos detalhes fornecidos pela Petrobras, ontem, está a previsão de otimizar o portfólio de projetos, o que contribuirá com um corte de US$ 21,2 bilhões na previsão de investimentos. Outra parte, US$ 10,7 bilhões, se deve ao efeito cambial adverso.
A notícia, como mostra a reação dos analistas, não convenceu. Para Diego Mendes e Pablo Castelo Branco, do Itaú BBA, os ajustes não ajudam a reconstruir a confiança do mercado na companhia. Entre as razões enumeradas está a projeção de US$ 45 para o preço do petróleo em 2016, considerada otimista no atual cenário de preços. Ontem o Brent fechou cotado a US$ 30,95 o barril, com queda de 2,92%, enquanto especialistas projetam que a cotação pode chegar a US$ 20. A média do preço do barril em 2015 foi de US$ 54,33 e este ano estava em US$ 34,28 até ontem.
Entre as críticas ao plano está a cotação de US$ 45 para o Brent em 2016, contrariando previsões de queda
O Itaú também afirma que o consenso do mercado para a taxa de câmbio é de uma desvalorização do real maior do que a assumida no plano da Petrobras, e, por isso, os analistas esperavam maior corte nos investimento. Os analistas do banco estranham que a produção de 2016 tenha sido revista para baixo apesar do maior investimento previsto este ano. E observam ainda que, apesar da redução de 23% na meta de investimento em exploração e produção no período 2015-19, as projeções para a produção nacional de petróleo em 2020 foram reduzidos de 2,8 milhões para 2,7 milhões de barris. “Enquanto o plano não afeta significativamente nossas previsões de fluxo de caixa para 2016, ele aumenta o risco de financiamento para os próximos anos.”
Os analistas Luiz Carvalho e Filipe Gouveia, do HSBC, consideraram “um passo estranho” da direção da estatal a decisão de aumentar em US$ 1 bilhão os investimentos em 2016, diante do cenário de baixa do petróleo.
A previsão de produção que embasa o planejamento da Petrobras prevê um corte 40 mil barris/dia em 2016, em relação à meta anterior, apesar do investimento aumentar. Já no longo prazo, a Petrobras pretende fechar 2020 produzindo 2,7 milhões de barris/dia, um corte de 100 mil barris/dia em relação ao planejamento anterior.
“Isso não é plano de negócios, é sonho de negócios. Reduziram US$ 30 bilhões do capex no longo prazo perdendo apenas 100 mil barris”, resumiu um gestor, também incomodado com o fato de a estatal ter mantido a premissa de venda de ativos.
“Todas as premissas e preços do setor caíram pela metade desde que eles anunciaram esse número pela primeira vez. Se eles mantêm esse valor [US$ 14,4 bilhões], terão então que dobrar a quantidade de ativos à venda”, ele avalia. “Mas não há condição para esses negócios no cenário atual de preços. Eles deveriam ter sinalizado isso para o mercado”, diz a fonte.
A avaliação dos analistas consultados ontem pelo Valor é que a empresa precisa de uma capitalização com urgência. No entanto, não há dinheiro disponível para ela no mercado. Uma saída seria ainda a conversão de dívidas nas mãos de Banco do Brasil, BNDES e Caixa, em participações acionária da empresa, para melhorar a estrutura de capital.
A outra opção é a empresa continuar nesse caminho, pois ainda tem caixa até 2017 – se não conseguirem rolar as dívidas. A impressão de um outro analista consultado é que a Petrobras não tem pressa. “Parece que estão em outro mundo”, resume a fonte.
O Goldman Sachs considerou “desafiadora” a meta de desalavancagem financeira da Petrobras, cuja dívida líquida era de US$ 101,3 bilhões, em setembro, apesar dos esforços de venda de ativos. Também não ficou claro como a estatal está contabilizando a nova realidade fiscal em seu novo plano, considerando a decisão do governo do Rio de Janeiro, votada no Rio dia 30 de dezembro, de cobrar ICMS sobre a movimentação de petróleo no Estado.
Antônio Guimarães, secretário executivo do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) disse que a nova cobrança de 20% de ICMS vai representar custo adicional de 25% sobre o preço de referência da commodity, que serve de base para o cálculo dos royalties e da Participação Especial. Procurada, a Petrobras não respondeu às perguntas.
Fonte: Portos e Navios