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O carro do vizinho é melhor

 

O mercado brasileiro cresceu. Mas a produção no país se restringe a automóveis de baixa tecnologia — e nada competitivos

 

Marcelo Onaga, da EXAME

 

São Paulo – A indústria automotiva brasileira vem colecionando recordes de vendas nos últimos anos. Em 2010, quando mais de 3,5 milhões de automóveis foram vendidos, o mercado brasileiro superou o alemão e tornou-se o quarto do mundo, atrás de China, Estados Unidos e Japão.

 

Os números merecem comemoração. Mas um olhar mais crítico sobre a competitividade e a qualidade de nossos automóveis revela que também há motivos para preocupação.

 

 

O mexicano Jetta, da Volks: modelos luxuosos vêm de fora. Produção local, só de populares

 

 

A indústria brasileira começa a ficar obsoleta, a despeito de grandes investimentos anunciados recentemente por GM, Fiat, Toyota e outras montadoras.

 

As fabricantes locais, graças a políticas de incentivo tributário e a acordos comerciais, especializaram-se em fabricar veículos “populares”: pequenos, com pouca tecnologia, com motor fraco e sem apelo comercial em outros mercados.

 

O reflexo disso é que, além de poucos países se disporem a comprar automóveis feitos aqui, o próprio consumidor brasileiro em número crescente rejeita o produto nacional.

 

“Estamos vivendo a fase das ‘neocarroças’ ”, diz Rubens Barbosa, presidente do conselho de comércio exterior da Fiesp. “É preciso incentivar o desenvolvimento tecnológico e a competitividade antes que a indústria perca um bom momento para se modernizar.” 

 

O momento a que se refere Barbosa combina o aumento de renda dos brasileiros nos últimos anos com o acesso mais fácil a financiamentos de longo prazo. Isso permitiu que grande parte da população passasse a desejar produtos com maior conforto, mais tecnologia e design sofisticado.

 

“O brasileiro não andava de carro pequeno porque gostava de ficar apertado, e sim porque não podia pagar por um carro maior”, diz José Roberto Ferro, presidente da consultoria especializada Lean Institute.

 

O problema é que a indústria nacional passou a sofrer de uma espécie de “maldição do 1.0” e não se preparou para atender à nova demanda. O carro que muitos brasileiros querem — e, agora, podem comprar — passou a vir de outros países.

 

O mercado de automóveis maiores e mais modernos foi entregue quase que completamente aos fabricantes de fora, principalmente da Argentina e do México. Os automóveis desses países desfrutam de isenção tarifária para en­trar no Brasil graças a acordos bila­te­rais firmados pelo governo brasileiro.

 

 

No curto e médio prazo, não há perspectivas de mudança desse cenário. Os veículos compactos, por decisão do governo, são beneficiados por alíquotas menores de imposto e ainda representam 65% do mercado. Para as montadoras, é vantajoso trazer carros maiores e mais luxuosos de suas fábricas de outros países, onde os custos são menores.

 

Um estudo feito pela consultoria PricewaterhouseCoopers por encomenda da Anfavea, a associação das montadoras, mostra que os custos de produção aqui são 40% maiores do que no México. Na comparação com a China, a diferença sobe a 60%. Os grandes responsáveis por essa desvantagem são a pesada carga tributária e os encargos trabalhistas elevados.

 

Além disso, as fábricas brasileiras hoje operam perto de seu limite produzindo os carros populares. Usar as unidades de produção ociosas em países vizinhos poupa investimentos milionários em novas fábricas.

 

Como ocorreu nas ondas de investimento que o Brasil recebeu no início do Plano Real e na década passada, as fábricas anunciadas para os próximos anos, como a da Fiat em Pernambuco, farão mais carros populares. Há ainda um problema de escala.

 

“A falta de acordos comerciais entre Brasil e países como os Estados Unidos torna mais difícil que se crie aqui uma plataforma de exportação para veículos maiores”, diz Cledorvino Belini, presidente da Fiat e da Anfavea.

 

Para as empresas, é melhor montar os veículos mais sofisticados em países como o México, pois de lá podem exportar sem impostos para os americanos — o que não é possível daqui.

 

Ou seja: o Brasil não tem produtos para exportar para mercados mais desenvolvidos e também não tem vantagens competitivas para atrair a produção desses veículos.

 

O resultado é que, apesar de hoje ter um mercado superior ao da Alemanha em volume, o Brasil produz apenas modelos pequenos, como Palio, Gol, Celta e Fiesta, enquanto os alemães vendem por ano milhões de Mercedes, Porsche, BMW e Audi.

 

 

E o real não para de cair

 

Para agravar a situação, a forte entrada de dólares e a consequente valorização do real tornaram os automóveis importados um negócio ainda melhor. Nesse contexto, a balança comercial de veículos do país se tornou negativa.

 

O déficit acumulado de janeiro de 2008 até o final de 2011 pode superar 14 bilhões de dólares. Apenas nos seis primeiros meses de 2011, foram importados 390 000 carros e exportados apenas 250 000, uma diferença de 55% a favor da indústria do exterior.

 

Mas, como o automóvel que vem de fora em média custa 13 300 dólares e o brasileiro exportado sai por 7 600, o déficit na balança é bem maior, de 175%. Foram 5,2 bilhões de dólares pagos pelos importados e apenas 1,9 bilhão recebido pela exportação.

 

Não bastasse a ameaça dos fabricantes vizinhos, a indústria local deve sofrer cada vez mais com rivais asiáticos. Um estudo da Fundação Vanzolini prevê que coreanos e chineses deverão responder por 25% das vendas de carros no país até 2025, mesmo pagando 35% de imposto de importação.

 

“O governo precisa reduzir a burocracia da exportação e incentivar a inovação. Do contrário, nossas vendas ao exterior vão continuar a cair e a presença de importados será cada vez maior”, diz Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior.

 

O governo reconhece o problema e apresentou recentemente um pacote de medidas para atacar a perda de competitividade da indústria no país. Ainda não dá para saber se elas serão suficientes. Mas, ao menos no setor de automóveis, é visível que o Brasil larga atrasado nessa corrida.

 

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