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Queda nas reservas deixa emergentes mais vulneráveis a choques econômicos

Bancos centrais de mercados emergentes estão vendo suas reservas internacionais diminuírem rapidamente desde a crise financeira, o que compromete a capacidade de alguns países de resistir a potenciais choques econômicos, como uma alta dos juros nos Estados Unidos.

Estima-se que as reservas de moedas estrangeiras dos países emergentes caíram US$ 222 bilhões durante o primeiro trimestre, para US$ 7,5 trilhões, segundo uma análise dos dados do Fundo Monetário Internacional feita pelo The Wall Street Journal. A queda trimestral de 3% foi a maior desde o primeiro trimestre de 2009.

Apesar do recuo, o total das reservas internacionais dos países emergentes ainda está próximo do maior valor já registrado, levando observadores a acreditar que, no geral, os países estão numa posição relativamente forte para suportar choques externos. Alguns deles, como a Rússia, vêm recompondo suas reservas depois de sofrer declínios significativos. Hoje, o total das reservas internacionais dos emergentes é suficiente para cobrir 11 meses de suas necessidades de importação, segundo os dados do FMI, acima dos seis meses recomendados.

“Não estamos tão preocupados com a queda nas reservas”, diz Joyce Chang, que chefia a área global de pesquisas do banco J.P. Morgan Chase & Co. Ela observa que a queda se limitou a um punhado de países que detêm a maior parte das reservas.

Ainda assim, os riscos estão se agravando em vários países às voltas com a desaceleração do crescimento, reservas declinantes e moedas desvalorizadas. A preocupação é que, quando o banco central americano decidir elevar os juros — provavelmente ainda este ano — o aumento subsequente nos rendimentos dos títulos de dívida atraia para os EUA o dinheiro hoje investido nos países emergentes, onde os rendimentos já estão altos. Nos países em que as reservas já minguaram demais para absorver choques, as moedas locais — muitas das quais já estão enfraquecidas — podem sofrer pressão ainda maior.

Turquia, África do Sul e Indonésia são alguns dos países vulneráveis cujas reservas caíram abaixo de suas necessidades de financiamento no curto prazo, segundo o Instituto de Finanças Internacionais. A cotação do dólar na Turquia atingiu um máximo recorde no início deste mês, depois que o partido governista não conseguiu garantir uma maioria nas eleições. O dólar também alcançou o maior valor em vários anos na Malásia, África do Sul e Indonésia.

“É uma fonte de preocupação”, diz Andy Keirle, gestor de portfólio em um fundo de dívida emitida em moeda local de países emergentes da gestora T. Rowe Price. “A África do Sul e a Turquia estão nos deixando nervosos, já que não temos visto muitas medidas para reduzir seus desequilíbrios externos.”

A preocupação fica patente nos fluxos de investimento. Neste ano, investidores estrangeiros sacaram US$ 23,9 bilhões em ações de mercados emergentes, segundo o J.P. Morgan. Ao mesmo tempo, foram retirados quase US$ 200 milhões do mercado de dívida emitida em moedas locais. Ações e dívida em moeda local são os ativos mais sensíveis a oscilações cambiais.

As reservas internacionais são consideradas um indicador da capacidade de um país de resistir a essas oscilações. Muitos países emergentes vêm permitindo que suas moedas flutuem desde a crise financeira da Ásia, nos anos 90, mas seus bancos centrais ainda realizam intervenções periódicas para impedir uma volatilidade excessiva nas taxas de câmbio. Durante o primeiro trimestre, a volatilidade no mercado mundial de câmbio atingiu um nível febril, levando muitos bancos centrais a gastar bilhões de suas reservas para proteger suas moedas.

Em 30 de junho, o FMI deve divulgar seu relatório trimestral das reservas de moedas estrangeiras, chamado Cofer. Os relatórios anteriores já mostraram que as reservas diminuíram por dois trimestres, encerrando 2014 com um total de US$ 7,7 trilhões. O declínio mais recente levou as perdas de reservas a US$ 542 bilhões, uma queda de 6,7% ante meados de 2014.

As reservas dos países da América Latina, como um todo, apresentaram uma alta durante o primeiro trimestre, segundo o Instituto de Finanças Internacionais. As reservas do Brasil e da Argentina subiram, uma vez que influxos mais altos e saídas menores de capital compensaram a deterioração dos saldos de conta corrente.

As reservas do Chile e Equador, por outro lado, caíram 5% e 8%, respectivamente, no primeiro trimestre, em consequência do recuo nos preços das commodities e uma desaceleração dos influxos de investimentos.

Parte da queda recente nas reservas dos países emergentes se deve à alta global do dólar.

A valorização acentuada da moeda americana leva a uma redução dos valores das reservas que países emergentes detêm em euro, iene e outras moedas. A gestora Morgan Stanley Investment Management estima que as variações cambiais responderam por cerca de 40% da queda nas reservas. As estimativas, entretanto, variam consideravelmente, pois a China não revela a composição de suas reservas.

O declínio representa a reversão de uma tendência de décadas de acúmulo de reservas em países em desenvolvimento, alimentada por fortes entradas de capital e superávits comerciais. Segundo o FMI, o total das reservas estrangeiras de mercados emergentes subiu de US$ 610,6 bilhões em 1999 para o pico de US$ 8,1 trilhões em junho de 2014. Entre maio de 2010 e o mês passado, as reservas internacionais do Brasil avançaram 46,7%, para US$ 366,65 bilhões, segundo dados do Banco Central.

O acúmulo nas reservas totais dos emergentes se reverteu à medida que vários desses países enfrentaram uma redução no comércio global e no crescimento econômico. Recentemente, a alta do dólar, a queda dos preços das commodities e os problemas específicos de alguns países exacerbaram a queima de reservas.

Quase metade do declínio — US$ 113 bilhões — veio da China, que está lutando contra superávits comerciais cada vez menores e fugas crescentes de capital.

A Venezuela, por sua vez, está fazendo todo o esforço possível para evitar uma crise. Problemas econômicos derrubaram as reservas do país para US$ 17,9 bilhões em maio, o menor valor em 12 anos. O governo vem tentando desesperadamente conter a queda das reservas tomando empréstimos da China e vendendo ativos. Isso, porém, não evitou o colapso do bolívar no mercado paralelo. Oficialmente, o bolívar está atrelado a uma taxa fixa de 6,3 por dólar, mas a moeda americana tem sido negociada a 465 bolívares.

“O ambiente se tornou menos favorável aos fluxos [de capital] para mercados emergentes”, diz Jens Nystedt, gestor de portfólio de dívida de mercados emergentes na Morgan Stanley Investment Management. “Os países que estão se ajustando corretamente […] têm muito mais liberdade para lidar com um choque.”

(Colaborou James Ramage.)

Fonte: The Wall Street Journal

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