São Paulo – Lojas Americanas, Burger King, Blockbuster, Submarino, Budweiser e Heinz. O que essas marcas têm em comum? Os donos. Todas elas são controladas pelos brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. O trio fez história ao comprar empresas em dificuldades, porém com nomes fortes, e reformular a gestão seguindo a cartilha da meritocracia e a obsessão por custos baixos.
Economista formado em Harvard, o carioca Lemann fundou em 1971 a corretora Garantia. Nos anos seguintes, Telles e Sicupira foram trabalhar na empresa e acabaram se tornando sócios do negócio, que virou um banco de investimento. Em 1982, os três compraram a Lojas Americanas. Sete anos depois, foi a vez da Brahma, negócio que deu origem à Ambev após a fusão com a concorrente Antarctica em 1999.
Poucos meses antes, o banco Garantia havia sido vendido. O foco dos sócios passou a ser os fundos de investimento em empresas. Em 2004, os três criaram o 3G, fundo para aquisições de empresas americanas.
Em 2008, eles adquiriram a Anheuser-Busch, cervejaria dona da marca Budweiser num negócio de 52 bilhões de dólares. Dois anos depois, foi a vez da rede de fast-food Burger King. Em 2013, o trio acertou a compra da fabricante de alimentos Heinz.
As histórias estão em Sonho Grande, livro lançado recentemente pela Editora Sextante. Escrito pela jornalista Cristiane Correa, o trabalho é resultado de quase 100 entrevistas com pessoas que acompanharam a trajetória dos três empresários. Conheça algumas lições deles para os negócios.
Copie boas ideias
Quando estava à frente do Garantia, Lemann teve a oportunidade de conhecer o funcionamento do banco americano Goldman Sachs e gostou do que viu. Na volta ao Brasil, adotou no Garantia o sistema de remuneração com salários abaixo do mercado, os bônus agressivos e a compra de ações pelos funcionários — parte da cultura do banco americano.
“Copiar o que funciona bem é mais prático”, era uma das diretrizes do Garantia na época. Quando adquiriu o controle da Lojas Americanas, Sicupira enviou cartas aos principais varejistas do mundo pedindo para conhecer suas operações. A solicitação foi aceita por Sam Walton, fundador do Walmart.
Nos Estados Unidos, onde está localizada a sede da multinacional varejista, Sicupira pôde conhecer o minucioso controle de custos da empresa e o implantou na rede brasileira.
Tenha fanatismo
Os funcionários das empresas dos três sócios são estimulados a se devotar ao trabalho. No Garantia, os empregados que saíam mais cedo passavam pelo constrangimento de receber uma salva de palmas dos colegas.
Na Lojas Americanas, em certa ocasião, Sicupira dançou vestido de odalisca no centro do Rio de Janeiro. Foi o pagamento de uma promessa feita aos funcionários que haviam conseguido aumentar a margem de lucro da empresa.
Forme uma elite
Lemann define o tipo de gente com quem gosta de trabalhar pela sigla PSD — poor, smart, deep desire to get rich (“pobres, espertos, com muita vontade de ficar rico”). O próprio Telles se encaixava nesse perfil. Em suas primeiras semanas de trabalho no Garantia, Telles foi uma espécie de office-boy que levava para os clientes os papéis negociados pelo banco.
Em dois anos, ganhou o direito de comprar uma pequena participação acionária. Desde essa época, os funcionários com os piores desempenhos são demitidos. “É como um galho morto, que precisa ser podado”, diz Telles. Outro mandamento é oferecer incentivos a funcionários de todas as áreas do negócio. “Goleiro também tem de ganhar bem”, costuma dizer Lemann.
Corte custos
O controle de custos foi uma lição aprendida com o Walmart e replicada à exaustão nas empresas administradas pelos três sócios. “Custo é como unha. Tem de cortar sempre”, diz Sicupira. Quando Telles assumiu a gestão da Brahma, havia restaurantes, vagas de estacionamento e banheiros exclusivos para os executivos.
A burocracia na empresa era enorme. Uma piada entre os funcionários dizia que, num futuro distante, um arqueólogo ao pesquisar as ruínas da empresa concluiria que ali havia funcionado uma fábrica de papel com uma cervejaria em anexo para os empregados beberrões. Em três meses, Telles aboliu os privilégios da diretoria e 2 500 funcionários saíram da empresa.
Seja impessoal
Dois episódios dão a dimensão de como os interesses pessoais não se misturam com os negócios nas empresas de Lemann, Telles e Sicupira. Em certa ocasião, o filho de Telles, de 11 anos, contou ao pai o interesse em trabalhar em suas empresas. Telles explicou ao garoto que não seria possível atender ao desejo dele.
Os filhos dos três sócios não podem fazer carreira em suas companhias. O máximo permitido é ser trainee durante um ano. Depois disso, precisam encontrar emprego.
“A gente analisa 70.000 candidatos a trainee por ano. Será que minha genética é tão forte para eu criar o melhor desses 70.000? Não só não acredito em milagres da genética como acho que nossa cultura desapareceria”, disse Telles certa vez.
Em outra ocasião, Robert Cooper, sobrinho de Lemann, perguntou ao tio se poderia conhecer o camarote da Brahma no Carnaval. A resposta foi: “Aquilo é um negócio. Os convites são para gente famosa, mulheres bonitas e para quem me ajuda a ganhar dinheiro. Em que categoria você está?”
Seja simples
Um dos princípios do Garantia dizia que “o simples é sempre melhor que o complexo”. Nas empresas adquiridas mais tarde, o trio implantou a mesma filosofia. O ambiente de trabalho costuma ser informal. As salas dos chefes não têm divisórias, e um grupo pequeno de secretárias atende todos os executivos.
Raciocínios simples e diretos guiam a tomada de decisões. Um exemplo foi a compra da Brahma. “País tropical, marca boa, população jovem e má administração. Tem tudo para a gente transformar num negócio grande”, foi o argumento que Lemann usou para convencer um sócio que duvidava da viabilidade do negócio.
Os hábitos simples também são levados para a vida pessoal. Durante o roubo a um posto de gasolina onde abastecia o carro, em 1991, Lemann passou despercebido pelos assaltantes — que não se interessaram por seu Passat com dez anos de uso.
Luciana Barreto, da PME