A venda generalizada de ações nas bolsas da China acelerou ontem, derrubando mercados globalmente, e ampliou a pressão sobre o governo, que está planejando injetar mais liquidez no sistema bancário para compensar os efeitos da surpreendente desvalorização que promoveu recentemente no yuan, dizem autoridades chinesas e consultores do banco central.
O Índice Xangai Composto despencou 8,5% ontem, alçando a quase 38% as perdas acumuladas desde a máxima de meados de junho e deflagrando uma nova onda de vendas de ações e commodities ao redor do mundo.
A planejada iniciativa do banco central da China de liberar mais fundos para empréstimos — ao reduzir a proporção dos depósitos que os bancos são obrigados a guardar como reserva — visa compensar os efeitos do enfraquecimento do yuan, que está drenando capital para fora do país. A medida é o reflexo de uma economia que cada vez mais se recusa a adequar-se à cartilha de controle dos líderes chineses.
As dificuldades do governo chinês nos últimos meses levaram muitos investidores a ver a China como uma ameaça, não uma salvação, para a economia global. Durante a crise financeira de 2008 e 2009, a China atuou como um amortecedor de choques graças a um colossal plano de estímulo. Recentemente, porém, é a China que tem provocado os choques.
A última semana deixou claro o quanto o mundo depende hoje da China, que responde por 15% da produção mundial, mas contribuiu com até 50% do crescimento econômico nos últimos anos.
Dada essa dependência, uma das razões pelas quais os investidores estão tão nervosos é que a economia chinesa continua sendo uma espécie de caixa preta. Analistas há muito questionam a precisão das estatísticas econômicas do país e as medidas tomadas pelo governo podem ser pouco convencionais. Uma mostra disso é o desejo de Pequim de controlar rigidamente o câmbio, o que prejudica a capacidade do banco central chinês de promover uma política econômica independente devido aos efeitos colaterais na liquidez doméstica.
O corte nas reservas bancárias, que pode ocorrer ainda esta semana, é mais um de vários feitos neste ano, além de quatro cortes de juros desde novembro que não lograram canalizar o crédito bancário para a economia real.
Um problema decisivo é que, na sua aversão aos riscos, os bancos continuam a favorecer as empresas estatais e evitar firmas privadas com menos caixa e menos garantias tradicionais a oferecer. Isso geralmente leva os empreendedores com maior potencial de crescimento a recorrer a financiamentos a juros mais altos de instituições informais ou a sobreviver sem empréstimos.
Os empreendedores do setor de alta tecnologia dizem que estão tendo ainda mais dificuldade para garantir financiamentos desde que as bolsas chinesas começaram a despencar, em junho. Zhong Shaofeng, fundador da firma chinesa de capital de risco Zhijin VC, diz que, em vez de solicitar somas vultosas a investidores endinheirados no seu fundo de “startups” mais recente, criou um novo fundo que investe pequenas quantias em projetos específicos. Nesse cenário, “é mais fácil pedir pequenas quantias a mais pessoas”, diz.
É verdade que a economia chinesa ainda cresce a um ritmo rápido comparado com os países ocidentais e que a China tem US$ 3,7 trilhões em reservas internacionais que podem ajudá-la a resistir a novos choques. Mas a meta de crescer 7% em 2015 seria a menor em cerca de 25 anos. Além disso, o governo claramente não tem o mesmo controle sobre a economia que demonstrou no passado, como durante a crise financeira.
No início de 2015, Pequim tentou usar uma alta nas bolsas para canalizar fundos para empresas endividadas. Mas, quando as ações começaram a cair, em junho e julho, uma série de intervenções para sustentar o mercado exacerbou a impressão de que a liderança do país estava perdendo o controle. Então, no início deste mês, depois que a China surpreendeu ao desvalorizar o yuan, os mercados continuaram derrubando a moeda para além do que o governo esperava, levando o banco central a intervir outra vez.
“O mundo está começando a concluir que a China não é tão competente quanto parecia, principalmente na esfera econômica”, diz Fraser Howie, coautor de “Capitalismo vermelho: Os frágeis fundamentos financeiros da extraordinária ascensão da China” (em tradução livre).
Algumas das ferramentas de que a China tradicionalmente se valeu para sustentar o crescimento estão perdendo a eficácia à medida que a economia cresce e seu uso repetido não resolve ineficiências estruturais. A economia do país, avaliada em US$ 10,3 trilhões em 2014, tem o quíntuplo do tamanho de dez anos atrás. “O espaço para expansão fiscal está bem limitado”, diz um alto assessor econômico do governo.
A velha receita, contar com o investimento do Estado e as exportações, também tem perdido a eficácia. As exportações caíram 8,3% em julho em relação a um ano antes, as encomendas das fábricas secaram e o início de novas construções caiu 16,8% nos primeiros sete meses de 2015.
Até as montadoras estão sentindo o golpe: pela primeira vez desde que chegaram ao país, a General Motors Co. e a Volkswagen AG operam suas fábricas abaixo da capacidade máxima.
Os novos supostos motores da economia — a alta tecnologia e o empreendedorismo — não estão preenchendo as lacunas com a rapidez necessária.
No sul da China, o distrito de Nanshan, em Shenzhen, está fervilhando com a atividade de centenas de firmas de tecnologia, desde a gigante da internet Tencent Holdings Ltd. até “startups” minúsculas. Mas, apesar de suas taxas de crescimento de dois dígitos, a dimensão do setor não será suficiente para substituir a velha economia tão cedo. O motor de busca Baidu Inc., por exemplo, tem quase o mesmo valor de mercado da CRRC Corp. — formada neste ano pela fusão dos dois maiores fabricantes de equipamentos ferroviários da China —, mas metade da receita e somente 25% da força de trabalho.
Para piorar, algumas grandes empresas de tecnologia do país, como a Lenovo, estão às voltas com mercados desaquecidos. A fabricante de celulares Xiaomi Corp., que aproveitou uma onda de primeiras compras de smartphones na China para crescer a um ritmo de três dígitos nos últimos anos, agora tem que buscar expansão em outros países, inclusive o Brasil. De fato, pela primeira vez em seis anos, as vendas de smartphones na China recuam.
Ainda assim, alguns economistas dizem que a reação dos mercados globais pode ser exagerada. Eles apontam para os pontos positivos da China: as vendas de imóveis nos maiores mercados do país estão começando a se recuperar e o crescimento dos gastos no varejo permanece acima de 10%. Além disso, a transição, ainda que lenta, para uma economia de serviços mais dependente de mão de obra intensiva vai proteger o emprego, dizem economistas.
Para muitos chineses, a vida realmente segue o seu curso normal. “Meu trabalho ainda é estável e meu salário é o mesmo”, diz Liu Yang, que tem 36 anos e trabalha como engenheiro na cidade de Changchun, acrescentando que ainda compra roupas e come fora como antes.
Fonte: The Wall Street Journal