Em uma visita à engarrafadora da Coca-Cola Co. em Pensacola, na Flórida, em janeiro, o diretor-presidente Muhtar Kent tirou uma pequena ficha pintada de vermelho de sua carteira e segurou-a perto de um novo caminhão de entrega da empresa. Para um olho destreinado, o caminhão parecia estar pintado com o vermelho padrão da Coca-Cola, mas a cor do veículo estava ligeiramente fora de tom.
Isso pode não ser importante para a maioria das pessoas, mas é para Kent. Onde quer que ele vá ao redor do mundo — engarrafadoras, vendas, supermercados —, ele tira a ficha vermelha e a compara com garrafas, latas, máquinas de refrigerante. A administração, diz ele, deve continuamente “polir esse diamante”.
Essa é uma verdade, especialmente agora, quando o mundo parece estar ficando cada vez mais cansado da Coca.
Em fevereiro do ano passado, a Coca confirmou que não havia atingido sua meta anual de crescimento em volume entre 3% e 4% pela primeira vez em quase dez anos. Kent considerou o resultado um “tropeço” e prometeu aos investidores que 2014 seria “o ano da execução”.
Em outubro, o presidente do conselho de administração e diretor-presidente reconheceu que a Coca não só não atingiria as metas de receita e lucro em 2014, como provavelmente também em 2015. No mês passado, a Coca divulgou queda de 2% na receita, para US$ 46 bilhões, e recuo de 17% no lucro, para US$ 7,1 bilhões, em relação a 2013.
A estratégia arriscada de Kent: vender mais refrigerantes. O executivo de 62 anos diz que tem vários planos — como elevar os gastos com marketing e ajustar a rede de distribuição da empresa nos Estados Unidos — que ajudariam a Coca a retomar o crescimento no lucro em 2016, que seria próximo de 10%. “Acredito que temos um grande caminho à nossa frente”, diz Kent.
Ultimamente, porém, suas promessas parecem mais difíceis de serem cumpridas.
O consumo de Diet Coke nos EUA caiu quase 15% nos últimos dois anos. Os volumes globais de vendas de refrigerantes da Coca, que incluem por exemplo a Sprite e a Fanta, subiram só 1% em cada um dos últimos dois anos.
Segundo uma pesquisa do instituto Gallup, feita em meados de 2014, 63% dos americanos disseram que estavam evitando consumir refrigerantes. Nos EUA, o volume de refrigentes consumido anualmente caiu por 10 anos consecutivos. As vendas da Coca estão desacelerando ou caindo em todo o mundo.
Apesar dos dados desafiadores, Kent parmanece calmo, frio como uma pedra de gelo. Com os refrigerantes respondendo por 70% da receita, Kent insiste que eles ainda são o “oxigênio” da empresa. A Coca-Coca, acredita ele, tem “exatamente os ingredientes certos” para crescer rapidamente — incluindo um portfólio de marcas avaliado em US$ 20 bilhões. Quatorze delas são bebidas sem gás, como a água Dasani e os sucos de laranja Minute Maid.
“Bebidas gasosas sempre foram vistas como algo especial e temos que redescobrir isso”, disse Kent em uma entrevista recente ao The Wall Street Journal. Mas não está claro se a Coca pode fazer isso com as novas iniciativas de crescimento.
Muitas empresas de alimentos industrializados que eram adoradas pela geração pós-segunda guerra mundial — da Campbell Soup Co. à General Mills Inc. ao McDonald’s Corp. — perderam a magia. Os consumidores atuais querem itens mais saudáveis, saborosos, originais. E menos mercado de massa.
As preferências estão mudando tão rapidamente e profundamente que causaram recentemente prejuízos na Kellogg Co. e Kraft Foods Group Inc. e prejudicaram as vendas ou o lucro de outras gigantes de alimentos e bebidas industrializados. As quedas custaram os cargos dos diretores-presidentes da Kraft e do McDonald’s, um dos grandes clientes da Coca.
Essas mudanças colocaram Kent em uma situação complicada, estrategicamente falando: diversificar quanto e com qual rapidez?
A presidente do conselho de administração e diretora-presidente da PepsiCo Inc., Indra Nooyi, tentou resolver a questão, mas sofreu pressão dos investidores em 2011, depois que a empresa emitiu um alerta sobre o lucro. Um ano antes, a Diet Coke havia ultrapassado a Pepsi-Cola e ocupado a segunda posição entre os refrigerantes mais vendidos nos EUA, atrás apenas da Coca-Cola tradicional. Os analistas de Wall Street e investidores disseram que ela estava muito focada em diversificar além dos refrigerantes açucarados e dos salgadinhos.
Kent, segundo relatos, é um executivo experiente e operacional como qualquer outro. Filho de um diplomata turco, começou a trabalhar na Coca em 1978, dirigindo caminhões de entrega, foi gerente-geral na Ásia Central, abriu fábricas na antiga União Soviética e dirigiu uma grande engarrafadora da Coca na Europa antes de assumir o cargo de diretor-presidente em 2008.
Como parte de sua estratégia, Kent elevou os investimentos em publicidade. No ano passado, ele disse que havia reservado ao menos US$ 1 bilhão a mais até 2016, após ter gasto US$ 3,3 bilhões em 2013. Atualmente, ele passa cerca de 75% do seu tempo fora da empresa, em reuiões com varejistas, engarrafadoras e chefes de Estado.
Sam Nunn, principal diretora independente, diz que o conselho vê os refrigerantes como uma “área de crescimento muito forte” globalmente e Kent como “uma força da natureza em termos de capacidade de liderança.” Mas vários ex-executivos seniores e gerentes que trabalharam com Kent dizem que, embora ele navegue bem por problemas, ele não tem uma visão ampla do cenário. Ele nega. “Tenho discussões muito, muito robustas intelectualmente e estimulantes sobre nossa estrutura, sobre nossa empresa, nosso negócio, para onde ele está indo”, disse ao WSJ.
Apesar de sua liderança em bebidas, a Coca, que recentemente roubou mercado da PepsiCo, está fazendo com que alguns investidores percam a paciência. Muitos estão migrando para a PepsiCo, cuja exposição aos refrigerantes é equilibrada pelos salgadinhos. Nos dois últimos anos, a cotação das ações da Coca subiu 4,7%, enquanto a da Pepsi subiu 23% e a Média Industrial Dow Jones e o S&P 500 cresceram, respectivamente, 25% e 35%.
“O grande erro é não perceber que o mundo tem mudado”, diz John Faucher, analista de bebidas do J.P. Morgan.
Kent não tolera muito debate ou divergências. Vários ex-executivos dizem que ele se cerca de pessoas “que só dizem sim”. Em reuniões, ele “pode ser muito rude, encerrar o assunto e criar [um clima] embaraçoso” se os planos forem questionados, diz um ex-executivo. Kent diz que que considera debates internosbem-vindos.
Alguns analistas defendem que a Coca deveria fazer mais aquisições para diversificar seu mix. Quando Kent era diretor operacional, a Coca comprou em 2007 a Energy Brands Inc., que fabrica água vitaminada, por US$ 4,1 bilhões. O negócio foi criticado por seu preço alto e pelo baixo crescimento. E a maior aquisição já feita pela Coca, a compra do controle das operações de engarrafamento e distribuição na América do Norte, por US$ 12 bilhões, em 2010, visava permitir que a Coca crescesse novamente, o que ainda não aconteceu.
Fonte: The Wall Street Journal