São Paulo – O que define uma chefe mulher? A pergunta ainda abre espaço para uma infinidade de estereótipos, muitas vezes contraditórios.
De um lado, a cultura pop traz figuras exageradamente autoritárias como Miranda Priestly, papel de Meryl Streep no filme “O diabo veste Prada”.
Em outro extremo, na vida real, ainda se espera que a liderança feminina seja mais branda ou delicada do que a masculina.
“Existe uma expectativa geral de que as mulheres sejam chefes mais boazinhas”, opina a coach Eva Hirsch Pontes. Segundo ela, a assertividade ainda é vista com estranhamento na gestora: se ela dá uma ordem um pouco acima do tom, logo é tachada de “mandona”.
Para a especialista, essa imagem anda de mãos dadas com a percepção de que as mulheres são mais emocionais do que os homens. “Isso é uma bobagem extraordinária”, afirma Eva. “Todo ser humano sente emoções: a diferença é que elas costumam ser mais expressivas, e eles, mais contidos”.
Então não há diferença entre os gêneros quando o assunto é chefia?
Não é bem assim, diz Eva. Seja pela sua própria natureza, seja por razões históricas ou culturais, a mulher tem um estilo seu de liderar. “A principal diferença é que elas geralmente se preocupam mais em harmonizar o grupo”, diz a coach.
Ana Guimarães, gerente de divisão da Robert Half, também acredita que alguns pontos distinguem as gestoras, como a capacidade de adaptar sua comunicação a diferentes ambientes e interlocutores.
Além disso, as mulheres costumam ser chefes com mais jogo de cintura. “Elas são capazes de ‘ir pelas beiradas’ na hora de negociar uma venda ou conseguir a aprovação de um projeto, por exemplo”, comenta a gerente.
Chefe mãe, chefe pai
Ana acredita que líderes do sexo feminino tendem a ser mais acolhedoras com suas equipes. “Mesmo na hora da bronca, elas não têm as mesmas explosões que os homens”, diz ela.
Joyce Baena, sócia-fundadora da agência La Gracia, encarna esse comportamento. Na empresa que fundou ao lado de seu sócio, Flávio Reis, ela é vista como a “mãe”, e ele como o “pai” dos funcionários.
“O Flávio mantém a casa em ordem, fica atento quando falta dinheiro, enquanto eu cuido mais das pessoas, me preocupo com o bem-estar delas”, conta.
A regra, no entanto, comporta exceções, conforme atesta a própria Joyce. “Enquanto eu sou mais emotiva, minha outra sócia, Camila Laguzzi, é uma mulher mais racional e planejadora”, explica.
A advogada Patrícia Coelho, CEO da empresa de navegação Asgaard, também não se encaixa no estilo “maternal” de liderar. “Tenho certa agressividade que não corresponde ao que tradicionalmente se espera da mulher”, diz ela.
Patrícia contraria estereótipos também pelo próprio setor em que atua, predominantemente masculino. “Na área naval, 99% dos profissionais são homens, principalmente em cargos de chefia”, afirma.
Tanto que, num encontro em Singapura, ela não foi reconhecida como a CEO de sua própria empresa. “Ninguém começava a reunião, e então descobri que é porque estavam esperando o ‘Mr. Coelho’ chegar”, lembra ela. “Achavam que eu era a secretária do presidente, não que era a ‘Mrs. Coelho’ em pessoa”.
Geração Y na mira
Ainda que envolta em mistérios e mal-entendidos, a liderança feminina deve ganhar cada vez mais terreno nas empresas. O motivo é histórico, segundo a coach Eva Hirsch Pontes.
No século 20, a lógica da liderança era centrada na tarefa e no resultado. “Hoje, com o enfraquecimento da hierarquia nas empresas, é preciso apostar na lógica do relacionamento para obter resultados”, explica a especialista. “E isso as mulheres fazem como ninguém”.
A seu favor, as gestoras também têm a facilidade para desenvolver pessoas. Segundo Eva, esse é um grande diferencial para gerir e reter a geração Y – uma das principais preocupações das empresas nas próximas décadas.
A contribuição da liderança feminina já começa a ser medida e comprovada. Um recente estudo global da consultoria McKinsey, por exemplo, mostrou que a diversidade de gênero no comitê executivo impulsiona a performance e dispara os resultados financeiros das empresas.
E o futuro?
Apesar de avanços importantes, a igualdade ainda está distante. Segundo um novo estudo da EY, se o ritmo atual de transformação for mantido, levaremos quase 80 anos para equiparar a presença de homens e mulheres à frente de empresas e governos.
Embora otimista, Eva diz que muitos ajustes culturais ainda serão necessários para que a liderança feminina realmente encontre seu espaço. “Para começar, é preciso que a responsabilidade pelo trabalho doméstico e o cuidado com a família deixem de ser atribuições só delas”, comenta a coach.
Na tentativa de ganhar espaço, as mulheres historicamente buscaram imitar o estilo de liderança masculino, na visão de Ana Guimarães, da Robert Half. Mas isso não é mais necessário.
Afinal, diz ela, é cada vez mais evidente a importância do olhar feminino para a condução dos negócios. “A mulher pode e deve se livrar dos estereótipos, e usar as suas próprias características a seu favor”, conclui a executiva.
Fonte: Exame