Inaugurado há um ano em Florianópolis, o Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP) já começou os testes com a fosfoetanolamina sintética, polêmica substância que ficou conhecida como a “pílula do câncer”. O laboratório foi um dos três escolhidos no país pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para conduzir os estudos sobre a droga.
Os testes para verificar a eficácia e a segurança da substância começaram este mês e devem durar cerca de dois anos. A liberação, no entanto, se restringe a análises e não há previsão para fornecimento ou comercialização. Além do CIEnP, também farão parte do estudo o o Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas (LassBio), ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), de Fortaleza, ligado à Universidade Federal do Ceará (UFC).
Em Santa Catarina, serão realizados principalmente estudos com células in vitro e posteriormente com roedores com tumores para analisar o poder da substância criada pelo pesquisador Gilberto Chierice, então no no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP).
Um dos idealizadores do CIEnP, o pesquisador João Batista Calixto afirma que trazer a pesquisa sobre a fosfoetanolamina para Santa Catarina é um reconhecimento da importância do centro, localizado no Sapiens Parque, no Norte da Ilha.
— Para o nosso Estado, isso é extremamente relevante. Tudo que é feito por aqui segue os padrões internacionais e devem surgir mais demandas do governo com o tempo — afirma Calixto, que é professor aposentado de farmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
Mais sobre o CIEnP
A ideia de construir um centro de inovação na área pré-clínica em Santa Catarina surgiu ainda em 2009, vinda do governo federal. Já naquela época o professor Calixto foi procurado para supervisionar o projeto, que contou com o apoio financeiro do governo do Estado para sair do papel.
Hoje em dia, o centro possui financiamento misto, com recursos tanto da indústria farmacêutica quanto do governo federal. Seu foco é no estudo e inovação na área da farmacologia. Segundo Calixto, a estrutura conta hoje com uma equipe de cerca de 40 pessoas, entre gestores, coordenadores, pesquisadores, técnicos e pessoal de apoio. Destes, 12 são pesquisadores doutores em áreas como farmacologia, química e biologia.
— Na nossa área, não há outro centro no Brasil com esse padrão. Somos uma empresa privada sem fins lucrativos, com o objetivo de desenvolver projetos de pesquisa para inovação tecnológica na área farmacêutica, seja para tratamento humano com medicamentos e cosméticos ou também para tratamento veterinário — afirma o pesquisador.
Localizado no Sapiens Parque, em Florianópolis, com área total de 5,3 mil metros quadrados, o CIEnP dispõe de laboratórios altamente equipados, auditório com capacidade para 120 pessoas e espaço disponível para incubação de startups (empresas iniciantes) atuantes no setor farmacêutico. O espaço foi criado para desenvolver pesquisas inovadoras no setor, contribuindo para criação de novas empresas e, ainda, para atração de laboratórios para o Estado.
Como será o trabalho
No estudo sobre a fosfoetanolamina, o CIEnP vai ser responsável pelos estudos pré-clínicos, tanto com células em vitro quanto em roedores com câncer. De acordo com o professor Calixto, a ideia é que entre 70% e 80% do trabalho esteja pronto até o fim do primeiro semestre, quando os primeiros resultados devem ser informados ao MCTI.
Os trabalhos serão complementados pelo LassBio, no Rio de Janeiro, que tratará dos estudos sobre a parte sintética da droga. Já no NPDM, em Fortaleza, serão conduzidos os estudos clínicos, onde a sustância será testada em humanos. O resultado dos estudos será decisivo para a liberação ou não do uso da substância.
A fosfoetanolamina
A droga foi desenvolvida pelo professor da USP Gilberto Chierice, hoje aposentado, mas nunca passou por testes que comprovassem sua eficácia contra o câncer. Mesmo assim, o professor a produzia e distribuía. Em setembro de 2015, o Tribunal de Justiça de São Paulo vetou a continuidade da entrega.
Em outubro, veio a reviravolta: o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em favor de uma pessoa que solicitou a droga, levando o TJ-SP a voltar atrás na decisão. A partir dali, centenas de pessoas obtiveram liminares que obrigavam a USP a fazer a distribuição.
Como a fosfoetanolamina conquistou apoio oficial em outros estados
Um mês depois, ao julgar recurso da universidade, o órgão especial do tribunal cassou todas as liminares concedidas em São Paulo. O desembargador Sérgio Rui afirmou que a liberação da fosfoetanolamina sem as necessárias pesquisas científicas era imprudente.
A decisão, no entanto, vale apenas para o estado de São Paulo. Paciente de outros estados, como o Rio Grande do Sul, entraram com ações na Justiça e continuam a receber a medicação por medidas liminares.
Em dezembro, durante um evento sobre o tema na Assembleia Legislativa, o secretário de Estado da Saúde de Santa Catarina, João Paulo Kleinubing, afirmou que o Estado estudava produzir e distribuir a fosfoetanolamina. Procurada pela reportagem nesta sexta-feira, a secretaria de Saúde afirmou que a ideia foi descartada após uma consultoria jurídica. A justificativa é a falta de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Fonte: Portal DC