A mudança dos planos de internet fixa regulados por velocidade por modelos com limite de dados revoltou usuários – um abaixo-assinado virtual contra a alteração já tem mais 600 mil apoiadores. Isso porque ter a popular franquia da telefonia móvel na linha fixa pode obrigar as famílias a restringir o acesso a jogos, séries ou filmes online, por exemplo.
Para explicar o que a mudança representa e o que os consumidores podem fazer caso se sintam prejudicados, Zero Hora ouviu cinco especialistas nas áreas de Direito Digital e Direito Civil e Computação. Confira:
1) Qual a diferença de um plano de internet fixa regulado pela velocidade do regulado pelo limite de dados?
Muitas operadoras adotaram o modelo de comercialização de planos de internet fixa com base na velocidade desejada pelo usuário, sem um volume máximo de tráfego permitido. Atualmente, as empresas passaram a incluir em seus contratos uma cláusula que permite um limite de dados, a chamada franquia. É o mesmo processo que as operadoras adotam com a internet móvel, no qual você precisa estar sempre atento ao consumo.
2) Planos com limites de dados prejudicam o consumidor?
Na visão da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), sim. A coordenadora institucional da entidade, Maria Inês Dolci, argumenta que as empresas estão buscando apenas um ganho na receita com a medida, pois podem “forçar” os clientes a pagarem mais quando ultrapassarem o limite de dados contratados.
O advogado especialista em direito digital Pedro Ramos também argumenta que limitar de forma agressiva as franquias impedirá que os mais pobres acessem toda a capacidade da rede, gerando situações que podem aumentar a desigualdade. Como, por exemplo, os ricos consumindo mais conteúdos em vídeo e os pobre sem ter acesso a isso.
3) Planos de internet fixa com limite de dados podem ser vendidos?
O Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia publicado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em 2013 prevê a possibilidade dos provedores oferecerem franquias de consumo, desde que sigam algumas regras. Ramos explica que as empresas precisam assegurar ao consumidor o direito de, após o consumo integral da franquia contratada, ter a continuidade da prestação do serviço. Isso pode ocorrer por meio da cobrança adicional pelo consumo excedente, mantendo a velocidade do serviço, ou por meio da redução da velocidade contratada, sem cobrança extra. A legislação ainda determina que os provedores precisam disponibilizar uma ferramenta para o consumidor acompanhar o uso da internet e alertar quando o consumo da franquia se aproximar do limite.
4) As operadoras já estão vendendo esses planos?
Net, Claro e Oi anunciaram que já fazem vendas com limite de dados. A Oi ainda acrescentou que “atualmente não pratica redução de velocidade ou interrupção da navegação após o fim da franquia”.
Já a Vivo/GVT, informou que começou a oferecer planos por franquia em fevereiro. Até 31 de dezembro, a manutenção do serviço de internet será feita sem bloqueio, mesmo após o término da franquia de dados contratada.
A Tim possui internet fixa disponível nas cidades de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Duque de Caxias (RJ), Nilópolis (RJ) e São João de Meriti (RJ), mas afirma que não comercializa planos com franquia mensal de dados e bloqueio após o consumo. A operadora também não prevê mudanças nos planos atuais, que são comercializados de acordo com a velocidade de conexão (de 35 mega a 1 giga de velocidade).
5) As empresas podem cortar a internet?
Segundo a Proteste, o corte da internet só é permitido em casos de atraso no pagamento. O bloqueio do serviço quando o usuário consome todo o limite da franquia é ilegal. Nesse caso, as empresas podem apenas reduzir a velocidade contratada no plano ou oferecer a manutenção da velocidade mediante o pagamento do consumo excedente. A proibição do corte está prevista no Marco Civil da Internet, vigente desde 2014. Sendo uma lei aprovada pelo Legislativo, o Marco Civil é hierarquicamente superior às resoluções da Anatel, segundo o advogado especialista em direito digital Pedro Ramos. Por isso, em casos de conflito, o Marco Civil deve ser aplicado.
6) O que fazer se a minha internet for cortada?
Se a sua internet for cortada por causa do uso total da franquia contratada, você pode reclamar com a operadora ou procurar o Procon de seu município.
7) Como os dados são calculados?
O dispositivo que liga o usuário ao restante da rede da operadora permite contabilizar a quantidade de dados que passaram naquelas interfaces, segundo explica o presidente da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e professor da UFRGS, Lisandro Granville. Com o acúmulo do contador, a operadora pode monitorar quanto do limite da franquia já foi utilizado. E, a partir disso, tomar ações de acordo com o plano contratado.
8) Quais os serviços que mais consomem dados?
Os serviços de streaming estão entre os que mais consomem dados. A Netflix, por exemplo, estima que o uso de dados em seus vídeos na qualidade alta é de até 3 GB por hora para HD e 7 GB por hora para Ultra HD. Mas outros serviços de exibição de vídeos por demanda, como o YouTube, também consomem. Depois deles, algumas modalidades de games online.
9) Há diferenças de consumo nos dispositivos móveis? O computador gasta mais o plano de dados do que o tablet ou o celular, por exemplo?
Para o mesmo tipo de conteúdo, explica o presidente da SBC, pode haver diferença de consumo em cada dispositivo. O exemplo mais clássico é o dos vídeos, que consomem dados de acordo com a resolução da imagem recebida ou enviada. Nesse caso, é provável que uma TV com tecnologia 4k (melhor que o HD), vá consumir, para exibir um vídeo do Netflix, bem mais dados do que um celular com capacidade de resolução mais limitada.
10) Como eu posso observar meu consumo?
Cada operadora deve, por lei, disponibilizar uma ferramenta para que você acompanhe o seu consumo mensal. Normalmente essas ferramentas são disponibilizadas no espaço dedicado aos clientes nos sites das operadoras. A legislação ainda determina que os provedores alertem os clientes quando o consumo da franquia se aproximar do limite.
11) Como escolher um plano adequado às minhas necessidades?
Para Lisandro Granville, primeiro, as pessoas precisam entender em que perfil de usuário se encaixam. Usuários mais “convencionais”, que usam a internet principalmente para enviar e receber de mensagens de texto, acessar email e redes sociais e fazer pesquisas, não vão precisar de uma franquia muito grande. Os usuários “intermediários”, que fazem essas atividades somadas a serviços como o VOIP e ver alguns vídeos no YouTube, precisará de um plano com limite maior. O tipo mais afetado será o usuário que faz alto consumo de vídeos no Netflix ou substituiu a TV, aberta ou a cabo, pelo computador.
12) Como posso economizar minha franquia?
Não existe regra para economizar dados. Uma opção ao alcance dos usuários é diminuir a qualidade de transmissões e recepções de vídeos, o serviço que mais consome dados.
13) Meu plano é ilimitado. A operadora pode modificá-lo?
Os contratos não podem ser modificados sem que o consumidor seja comunicado da alteração e concorde com ela. Caso os clientes não estejam de acordo com a mudança, eles podem optar por encerrar seus contratos, conforme o diretor-executivo do Procon de Porto Alegre, Cauê Vieira. Ele alerta que a mudança unilateral nos contratos, ou seja, sem que o cliente seja informado, é uma infração prevista no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e deve ser denunciada ao Procon.
14) Não quero encerrar meu contrato, mas também não estou de acordo com a mudança proposta pela operadora. O que posso fazer?
A juíza coordenadora do Centro de Pesquisa em Direito do Consumidor na Escola Superior da Magistratura e professora de Direito da UFRGS, Káren Danilevicz Bertoncello, afirma que o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor impede mudanças contratuais que prejudiquem o consumidor. Pessoas podem entrar em contato com o Procon.
15) Acabei de contratar um plano regulado pela velocidade, e a operadora disse que antes de um ano eu não poderia desistir. A empresa pode mudar as regras nesse período?
É preciso observar se as cláusulas do contrato permitem a mudança. Mesmo se permitirem, Káren alerta que a lei impede mudanças contratuais que prejudiquem o cliente. Cláusulas contratuais que limitam o direito dos consumidores também são irregulares, por serem consideradas abusivas pelo Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Caso você encontre alguma cláusula abusiva em seu contrato, pode entrar em contato com o Procon.
16) Vou adquirir um plano novo. O que preciso observar?
Em geral, os contratos das operadoras são muito complexos. Por isso, Káren alerta para que os consumidores peçam explicações detalhadas aos vendedores. Tudo precisa ser muito bem explicado aos compradores, conforme a professora, desde velocidade, limite da franquia, tempo de uso e qual o custo. E como esses contratos não permitem que os consumidores risquem cláusulas com as quais não concordam, podem procurar o Procon caso julguem itens abusivos.
17) O que fazer se a empresa não me forneceu uma cópia do contrato?
Não fornecer o contrato é ilegal. Caso a empresa não entregue uma cópia ao cliente, ele pode reclamar com a operadora, pedir ajuda ao Procon ou utilizar o serviço de apoio ao consumidor do Tribunal de Justiça do Estado, o “Solução Direta”.
18) Senti-me lesado pela empresa de internet. O que posso fazer?
Caso a reclamação não necessite a abertura de uma ação judicial contra empresa, Káren explica que os consumidores podem recorrer ao “Solução Direta”. Em outras situações, podem procurar o Procon.
19) Há alguma ação contra a venda das franquias?
A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) entrou com uma ação na Justiça em março de 2015 com pedido de liminar para que as operadoras Vivo, Oi, Claro, Tim e Net sejam impedidas de comercializar novos planos com previsão de bloqueio à conexão após fim da franquia móvel ou fixa. Nesta quarta-feira, a entidade também protocolará uma petição reiterando pedido de liminar.
Além disso, a 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor (Prodecon), ligada ao Ministério Público do Distrito Federal, instaurou em fevereiro um procedimento para investigar os serviços de acesso à internet fixa comercializados somente por meio de pacotes de dados. O promotor de Justiça Paulo Roberto Binicheski, titular da 1ª Prodecon, acredita que a mudança seria desvantajosa para o consumidor, que precisaria pagar mais cada vez que atingisse o limite da franquia.
Na internet, usuários fizeram uma petição online contra o limite de dados, que atingiu mais de 600 mil assinaturas, e a página no Facebook chamada Movimento Internet sem Limites, com mais de 250 mil seguidores.
20) A pressão dos usuários pode mudar algo?
Káren espera que sim, pois as empresas só existem por causa dos consumidores.
Fonte: ZH Vida e Estilo