Especialistas não acreditam em um boom de vendas, como em 2008; além disso, carros populares são cada vez menos procurados
Marcela Ayres, de Exame
São Paulo – Com o intuito de esquentar o consumo, o governo anunciou nesta segunda-feira um pacote de medidas para incentivar o setor automotivo. Assentada sobre o apetite da classe média, a redução tributária será mais generosa para os veículos populares – os com motor 1.0 terão o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) zerado. A alíquota anterior era de 7%.
Como contrapartida à redução da carga tributária, as empresas também deverão ajustar o preço dos automóveis. No caso dos veículos 1.0, a expectativa é que a junção de fatores faça o preço cair até 10%.
A priori, as mudanças beneficiaram, de pronto, as duas maiores montadoras – Volkswagen e Fiat – e as versões de entrada dos seus consagrados campeões de venda, Gol e Uno. Juntos, afinal, esses modelos responderam por nada menos que 62% de todos os 281.484 novos emplacamentos realizados no ano, como mostram os dados da Fenabrave referentes aos primeiros quinze dias de maio.
Mas a análise não é tão simples quanto parece. Em primeiro lugar, o interesse dos brasileiros por carros com 1.000 cilindradas vem caindo – e muito. Segundo dados da Anfavea, os veículos com motor 1.0 tinham uma participação de mercado superior a 50,9% apenas dois anos atrás. Hoje, o percentual é de 38,6%. Na dianteira do ranking atual, aparecem os carros que apresentam entre 1.000 e 2.000 cilindradas, com uma fatia de 60,3% dos licenciamentos.
Para Renato Meirelles, sócio-diretor do instituto de pesquisas Data Popular, a virada sinaliza uma evolução no perfil de consumo dos brasileiros. Com mais dinheiro no bolso, eles teriam passado a valorizar outros atributos. E os carros “pelados”, com parcos itens de série, e aqueles com motor 1.0, notadamente mais baratos, teriam perdido espaço para veículos com mais conforto, espaço ou potência.
Na esteira desse movimento, acredita Meirelles, montadoras como a Hyundai conseguiram ganhar avançar no mercado brasileiro ao oferecer um custo-benefício razoável na venda de carros mais possantes. Com os incentivos, é provável que esses veículos ganhem ainda mais apelo: a alíquota de IPI entre 1.000 e 2.000 cilindradas cairá de 13% para 6,5%, no caso dos carros movidos a gasolina, e de 11% para 5,5% para os automóveis flex. No preço final, o impacto deverá ser de 7%.
Demanda satisfeita
Se de um lado a redução dos impostos abre brecha para as montadoras emplacarem modelos mais caros e desovarem seu estoque, hoje acumulado em mais de 360.000 veículos, de outro, apontam especialistas, o boom nas compras pode não ser tão grande quanto o observado em 2008 e 2009. Temendo os efeitos da crise, o governo deu cabo a uma série de ações para injetar ânimo à economia. Diminuir o IPI para a indústria automotiva foi uma delas.
Na visão de Milad Kalume Neto, gerente da consultoria automotiva Jato Dynamics, grande parte da nova classe média já teria financiado o carro próprio naquela época, aproveitando a melhoria nas condições de financiamento. Hoje, essas mesmas pessoas ainda precisariam quitar de 12 a 15 parcelas, se considerado um parcelamento feito em 60 meses.
“Obviamente, o barateamento vai impactar as vendas, mas em escala muito menor”, acredita. Contra o aumento vultoso das vendas, pesa ainda a elevada inadimplência registrada na compra de veículos. Hoje, os atrasos de mais de 90 dias respondem por 5,6% do total financiado a pessoas físicas, o percentual mais alto registrado desde o início da série histórica compilada pelo Banco Central, em 2000.
No saldo final, contudo, as montadoras não deixam de ter o que celebrarc. Se antes passaram a comprometer suas margens para manter a competitividade dos veículos em meio a condições mais adversas – como aconteceu com as importadoras, atingidas por um aumento de 30 pontos no IPI – agora contarão com mais folga para dirigir os negócios. E com o governo a seu lado.