São Paulo – A inflação acelerou este ano e vai pressionar ainda mais os orçamentos das famílias, especialmente das mais pobres, alerta o especialista em investimentos do Banco Ourinvest, Mauro Calil.
“E infelizmente são os mais pobres que estão menos preparados, pois têm menos reservas para suportar as dificuldades e menos planejamento”, diz.
Os aumentos vieram principalmente das tarifas públicas como água, luz e transporte público, que têm forte peso para os mais pobres.
No caso dos alimentos, a falta de água também deve continuar puxando os preços, tanto dos produtos agrícolas como do gado, pelo pasto ressecado.
Há ainda o impacto do aumento do diesel e da gasolina sobre o transporte dos produtos e da alta do dólar, que encarece os preços referenciados no exterior, como o trigo, que sobe e deixa o pãozinho e a macarronada mais salgados no orçamento.
“A presidente Dilma (Rousseff) deu azar no segundo mandato”, afirma Calil.
Agora com dívidas
Ele lembra ainda que a situação das famílias hoje é bem mais delicada pois, além do aumento o custo de vida, a maioria tem dívidas. Um orçamento de R$ 5 mil costuma ter um endividamento de R$ 1,5 mil, ou 30% da renda.
A dívida não costuma variar. Ou seja, uma parte do orçamento é fixa.
Mas a despesa restante, de R$ 3,5 mil, não é, e sofre o impacto da inflação.
“Se pegarmos os 9% que o mercado trabalha para este ano, dá R$ 315 de despesa a mais, ou R$ 3,8 mil, e já estoura o orçamento”, diz Calil. “Um aumento de R$ 315 obriga a família a cortar gastos para pagar a casa própria, o financiamento, a escola.”
O resultado é uma mudança nos padrões de consumo para economizar. “A carne subiu demais? Troca pelo frango” comenta Calil.
Pequenos negócios em risco
Com isso, começa a quebradeira de negócios que surgiram na bolha do aumento de renda. Lojinhas de cervejas especiais perdem espaço, com o consumidor trocando a Baden Baden pela Itaipava.
“Pequenos negócios como esse, de maiores custos, começam a quebrar, caso também dos carros antigos ou novos incrementados, com ‘tuning’”, diz. E isso leva a um maior volume de demissões.
Desemprego subestimado
Calil acredita também que o número de desemprego está subestimado no Brasil, uma vez que ele não considera a geração de jovens “nem-nem”, que nem trabalham nem estudam.
Ele acredita que essa fatia representa quase 12% da força de trabalho. “E como não procuram emprego, não são considerados desempregados”.
Nos anos 1940, o tipo de pesquisa, que pergunta se a pessoa procurou emprego nos últimos dias, faria sentido, pois quem não trabalhasse morria de fome.
“Hoje, o cenário é outro”, diz Calil. E os pobres tendem também a sofrer mais nesse cenário, pois os jovens terão de voltar ao mercado de trabalho para ajudar a renda da família.
De olho nos gastos tolos
Para Calil, a saída para as pessoas nesse momento de alta da inflação é cortar o gasto tolo. Não o supérfluo, mas o que não traz prazer permanente ou duradouro.
“Um cafezinho por dia, por exemplo, no fim do ano, renderia uma viagem no Brasil”, diz. “Mas se o café é importante para a pessoa, tudo bem, pode ser melhor manter.”
Até o comportamento ecológico pode ser incentivado para estimular a economia, diz Calil, citando a redução no tempo de banho e as luzes apagadas sempre que não houver necessidade. Em tempos de conta de luz até 50% mais alta, a economia é considerável.
A cor e o perfume
A troca de marcas também é essencial, afirma o especialista, lembrando que alguns produtos só têm de diferente a marca e o preço. “Se a dona de casa olhar a fórmula do Omo, por exemplo, vai descobrir que ela é basicamente a mesma de todos os outros do mesmo fabricante, o mesmo químico responsável e até a mesma fábrica”, diz. “Praticamente só muda a cor e o perfume.”
Cada centavo conta
Pequenas economias também acabam se tornando importantes, diz Calil. Uma diferença de R$ 3,00 para R$ 2,70, por exemplo, representa 10%, e não apenas R$ 0,30. “Economia nunca é pequena”, diz.
Outra estratégia é aproveitar promoções e estocar alguns produtos. “Se aparece uma promoção de carne ou outros produtos mais caros, estoque”, diz.
Proibido usar o rotativo e o cheque especial
Evitar entrar no cheque especial ou no rotativo do cartão de crédito também é importante, diz Calil. Assim como controlar as entradas e saídas de recursos do orçamento.
Pesquisa do Procon mostrou que os juros dos cheques especiais estão nos níveis mais altos desde 1995, acima de 11% ao mês, enquanto a Associação Nacional dos Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac) mostra que os juros do cartão rotativo passou de 12,5% ao mês e é a maior desde 1999.
Bom para o investidor e para o comprador
O bom do cenário é para o investidor, que terá uma taxa de juros maior, de 14% ao ano e acima de 1% ao mês novamente, observa Calil.
Já para a bolsa, os juros em alta são um horror. O mesmo vale para o mercado imobiliário e para quem pensa em vender seu imóvel.
Faca e o queijo na mão para comprar imóvel
Para quem quiser comprar um imóvel, porém, a situação será muito boa. “Quem tiver 50% ou mais do valor do imóvel em dinheiro está com a faca e o queijo na mão, vai conseguir bons descontos”, diz Calil.
E se tiver 70% então, nem precisará de financiamento ou, se precisar, será pouco, 10%, 15% apenas, pela capacidade de barganha com os vendedores”, diz.
Os fundos imobiliários também estão baratos e são opção para quem pensa em investir no setor, pela maior liquidez e pela isenção de imposto nos ganhos da locação.
Um imóvel na Avenida Paulista está com seu preço por metro quadrado em R$ 7 mil em alguns fundos, quando o preço deveria estar perto de R$ 12 mil. “Mas são aplicações para dois, três anos de horizonte, pelo menos”, afirma Calil.
Aposentadoria com 0,9% ao mês
Esses fundos imobiliários são boa opção para quem pensa em aposentadoria pois garantem um rendimento mensal, ao lado dos papéis do Tesouro corrigidos pela inflação, as NTN-B, que pagam hoje 6% ao ano mais o IPCA.
“Com NTN-B e fundos imobiliários, daria para montar uma carteira que renderia 0,9% ao mês com tranquilidade”, diz.
Ações, melhores setores
Sobre a bolsa, os setores que podem se sair melhor são os de bancos e do setor financeiro, como seguradoras e empresas de cartões.
O setor de alimentos também é defensivo nesses momentos de queda na atividade e alta da inflação, pois conseguem reajustar preços e se proteger.
No caso da Petrobras, Calil acredita que quem tem o papel há muito tempo, nos anos 1970 ou 1980, pode manter, por seu dividendo. Mas quem comprou na oferta do pré-sal ou quando o país recebeu o grau de investimento, em 2008, já deveria ter vendido.
Fonte: Exame