São Paulo – O antigo sonho de um canal na Nicarágua que rivalize com o do Panamá está ficando um pouco mais próximo da realidade.
Ele começa a tomar forma hoje com a abertura de estradas em direção à comunidade de Rio Grande, onde será cavado um canal de 278 quilômetros de comprimento entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
Com custo estimado em US$ 50 bilhões, é o maior projeto de engenharia do mundo e deve demorar entre 6 a 10 anos para ser concluído. A Maersk, maior empresa de transporte do mundo, já deu o seu apoio.
O novo canal terá capacidade para navios maiores do que os que passam hoje pelo Canal do Panamá – mesmo quando o projeto de expansão deste, também já em obras, estiver concluído.
O projeto é discutido desde o início do século XIX mas nunca saiu do papel. Desta vez, passou a toque de caixa e com pouca transparência depois que virou uma questão de honra para o presidente e ex-guerrilheiro Daniel Ortega.
Ele governou o país entre 1984 e 1990, voltou em 2001 e ganhou em 2006 o seu segundo mandato consecutivo de 5 anos. No início deste ano, conseguiu passar reformas que permitem sua reeleição por tempo ilimitado ao mesmo tempo em que colocam a concessão do canal na Constituição.
Ele diz que o projeto é a chave econômica para a “independência total e definitiva” da nação, a segunda mais pobre das Américas. Com a perspectiva de crescimento do comércio global e a proximidade dos portos americanos, o canal pode trazer ao país um fluxo inédito de recursos.
Mar de dúvidas
Nem todos os nicaraguenses estão convencidos. A construção ficou a cargo de uma empresa chinesa, a Hong Kong Nicaragua Canal Development Investment Company, liderada por um empresário, Wang Jing, com um magro histórico público ou de grandes projetos.
Há muita especulação sobre supostos ganhos pessoais de Ortega no processo e das ligações de Wang com o governo da China, que já é líder mundial em fluxo de comércio e certamente está interessada em controlar o que pode vir a ser uma das principais rotas mundiais.
A Nicarágua ganhará apenas 1 ponto percentual de controle do canal a cada ano que passa – ou seja, só se tornará majoritária após 50 anos. Enquando isso, Wang e a HKND terão que pagar apenas US$ 10 milhões por ano e podem vender seus direitos para qualquer outra empresa ou país.
Eles também já tem carta-branca para criar zonas de livre comércio e construir portos e aeroportos em áreas ao redor do canal onde hoje moram agricultores e comunidades indígenas – que já estão protestando.
Poucos detalhes sobre financiamento e impacto ambiental foram liberados, apesar do projeto cortar ao meio o Lago Nicarágua, a principal fonte de água doce da América Central. Não é por acaso que muitos duvidam que o canal deixará de ser o que foi nos últimos 200 anos – apenas um sonho (ou pesadelo) distante.