Muita gente tem a sua formação profissional numa área e desenvolve a sua carreira em outra, completamente diferente. Sinto isso a cada vez que preencho uma ficha de hóspede numa recepção de um hotel, ou seja praticamente a cada semana.
Ainda tenho alguma dificuldade em respondê-la, pois a ficha padrão pede a profissão e tenho que declarar-me “engenheiro”. Mas fico pensando se não deveria responder “administrador” ou “diretor”. De fato, um antigo chefe respondia “diretor” e explicava que seria mais fácil para as pessoas entenderem do que “historiador” ou “filósofo”, sendo Diretor Presidente de uma empresa.
As fichas de hotéis deveriam pedir “ocupação” ou “carreira”, não acha? Mas responder o ficha de hóspede não tem sido o meu maior problema desde que percebi que não seria um bom engenheiro e saí em busca de alguma outra carreira. Quando conto este fato, às vezes as pessoas se surpreendem um pouco. Deve ser porque ainda carrego algum cacoete de engenheiro.
Enquanto trabalhava numa empresa produtora de automóveis, deparei-me com engenheiros que detinham o título de Engenheiro de Produto, eram pagos como tal e passavam o dia na prancheta (objeto já obsoleto em que trabalhávamos na época) apenas re-escrevendo os textos e as notas nos desenhos, do alemão para o português. Percebi que não gostaria de fazer isso como profissão.
Decidi mudar de emprego e buscar uma carreira mais interessante.
Acho que não tive suficiente capacidade para avaliar o que estava fazendo. Estava deixando uma grande empresa, de primeiro nível, para aventurar-me numa carreira diferente, fora da minha área de formação.
O que eu deveria ter percebido na época? Hoje sei que deveria ter percebido que deixava de lado (desperdiçava, segundo meus amigos) a minha formação profissional de engenheiro que havia custado um bom esforço e dinheiro, e partia para concorrer com profissionais formados em Administração de Empresas e outras áreas correlatas.
Mas se há algo difícil de evitar é a manifestação de um “preferência intuitiva” por uma carreira profissional na medida em que um jovem vai conhecendo as diferentes opções de vida profissional. E isto pode acontecer com você. Pode ser mais cedo, ou mais tarde.
Por isso, sempre recomendo aos jovens que estudem aquilo que gostarem mais e depois trabalhem naquilo que mais gostarem, mesmo que as duas coisas sejam completamente diferentes. Não considere que o investimento feito na sua formação foi em vão ou foi um desperdício. Comece pela sua profissão de formação, mas se você descobrir algo de que você mais gosta, tome uma decisão. Pois as chances de sucesso são muito maiores fazendo algo que você gosta.
O alerta é para o que isto poderá exigir de você, após a mudança. Não assuma que a sua formação original é suficiente para ser competente numa área para a qual você não foi educado. Isto seria demasiadamente pretensioso e desrespeitoso com os profissionais formados na área.
Você terá que voltar à escola e complementar os estudos, pode ser através de um curso de graduação ou pós-graduação. E terá que ler as coisas que você teria lido, se tivesse cursado nesta nova área. Enfim, terá que adquirir o cacoete da carreira escolhida.
Muita gente seguiu pelos caminhos técnicos, depois assumiu funções de gestão e finalmente acabou se tornando administrador. Tem muito mérito e normalmente é o caminho desejado pelos profissionais em toda áreas, pois representa reconhecimento, melhor remuneração, etc.
Mas nem sempre a pessoa procura aprender aquilo que alguém com a responsabilidade de administrar deveria ter aprendido. Continua sendo técnico enquanto detém a responsabilidade de administrar a empresa ou o negócio.
Isto acontece também no sentido inverso, com pessoas sem a devida formação técnica, tornando-se responsável por uma área que requer conhecimento técnico. Neste caso o desafio pode ser ainda maior. Pelo menos, tenho visto pouquíssimos casos de administradores procurando escolas de engenharia. Muito menos do que técnicos da área de saúde buscando as escolas de medicina.
Entenda a diferença entre a profissão e a carreira. Um anúncio dos relógios Breitling mostra John Travolta, profissão “aviador” e carreira “ator”. A sua formação de piloto comercial pode ter ajudado em alguns filmes, mas com certeza teve que estudar para ser ator, ou vice-versa.
Grato, YK.